#57 um emoji vale mais que mil palavras [2]
como essas símbolos são afetados (e afetam) questões sociais | tempo de leitura: 6 minutos
oie, seja bem vindo a mais uma edicão da makers gonna make. linguagem e símbolos são temas recorrentes por aqui - já escrevi sobre o sistema isotype, a criação dos primeiros ícones para computadores e sobre emojis, que são o tema dessa edição também. hoje em dia, quase todo sistema operacional ou aplicativo de mídias sociais conta com seu próprios set de carinhas, mas não só: emojis representam uma gama variada de conceitos, de objetos inanimados a identidades nacionais. a reflexão de hoje é sobre como essas figurinhas (e o processo de design por trás delas) influenciam a nossa sociedade e as formas de se relacionar. vamos?
💭 Por que pensar sobre emojis?
Por que emojis, de todas as coisas? Pra começar, eles são extremamente frequentes na comunicação online. De acordo com o Unicode Consortium (parte do Unicode, a entidade responsável pela padronização dos caracteres entre diferentes dispositivos), 92% dos usuários de internet usam emojis, em diferentes plataformas e situações sociais.
O grande motivo da popularidade dos emojis, como o nome sugere, é que eles representam não apenas objetos e conceitos materiais, mas principalmente emoções. Eles são ótimos substitutos da linguagem corporal em mensagens escritas e dão tom e contexto para as conversas onde aparecem. Mas embora os emojis tenham sido incorporados por usuários falantes de diferentes línguas, isso não quer dizer que não há ruídos de comunicação em seu uso tanto quanto em qualquer outra forma de comunicação. É comum ver virais onde alguém comete uma gafe por confundir ou não entender o que um emoji expressa - em 2018, o Buzzfeed até publicou um compilado intitulado “ATENÇÃO, PAIS: o 😂 não é um emoji de tristeza”, e a plataforma de aprendizado de línguas Preply fez uma pesquisa pra elencar os emojis mais confusos ou ambíguos. Ou seja: nem sempre emojis funcionam sozinhos, sem apoio da palavra escrita, mas ainda são uma parte essencial da comunicação na internet.
E quem decide o que vira um emoji? Não é como se tivéssemos um emoji correspondente para cada palavra, longe disso: são cerca de 3.600 emojis contra 170 mil palavras na língua inglesa e algo entre 200 e 300 mil na língua portuguesa. Em teoria, qualquer pessoa pode sugerir um novo emoji, mas a palavra final é dos integrantes do Unicode Technical Committee - o comitê especial para decidir quais caracteres (inclusive emojis) entram para o padrão unicode. Atualmente, o subcomitê para emojis é composto por Jennifer Daniel (do Google), Ned Holbrook (da Apple) e Ken Lunde (também da Apple). Ainda que a Unicode seja uma entidade sem fins lucrativos, isso quer dizer que quem define o que vira ou não um emoji são pessoas diretamente ligadas a instituições privadas - empresas enormes e dominantes no mercado de tecnologia, diga-se de passagem. Eu não chamaria de democracia.
🪞O emoji imita a vida
Escolher o que ou quem os emojis representam ou deixam de representar diz muito sobre a visão das instituições responsáveis por essas escolhas, e isso se reflete diretamente na ausência de representação de pessoas e culturas não-brancas nos conjuntos padrão de emojis. Dá pra argumentar que não dá pra representar todos os tipos de pessoas do mundo, mas às vezes parece que é uma questão de prioridades. O Unicode (e a Apple, o Google e outras empresas com emojis próprios) criaram dois designs para representar dragões (2010) antes de incorporar emojis de pessoas com cores de pele variadas (2015) ou diferentes texturas de cabelo (2018).
Antes de 2015, todos os emojis eram amarelos. A principal tese pra justificar essa escolha cromática arbitrária é que ela foi herdada do Smiley Face - aquela carinha bem tradicional, que data dos anos 1950. Outro fator que pode ter contribuído para a escolha é que o amarelo contrasta bem com o fundo branco, que é bastante comum - mas também oferece uma boa visibilidade para os detalhes do desenho. O mesmo não acontece com vermelho ou azul, por exemplo.
No entanto, apesar do amarelo ser apontado pelo unicode como um tom de pele “não humano” e, portanto, “neutro”, sabemos que não existe neutralidade em nenhuma escolha de design.
Ao ser a única cor disponível, o amarelo nunca representou todas as cores de pele, mas sim aquela que é política e economicamente dominante: a branca.
Um estudo de 2018 da Universidade de Edinburgo mostrou que o tom de pele mais claro dos emojis é o menos utilizado, e que a maioria das pessoas brancas opta pelo padrão amarelo para se autorrepresentar no Twitter. Parece um debate complexo? Piora: há pessoas brancas que se autorrepresentam com emojis com tom de pele mais escuro, numa espécie de blackface virtual.
Antes da Apple, o Google e outras plataformas adotarem os modificadores de tom de pele, baseados na escala Fitzpatrick, existia uma alternativa: o iDiversicons, criado por Katrina Parrot. Quando sua filha lamentou que não se sentia representada pelos tradicionais emojis amarelos, ela viu uma oportunidade e investiu 200 mil dólares na criação de um aplicativo de emojis com diversidade racial. Algumas grandes empresas chegaram a se reunir com Katrina para falar a respeito de seu projeto, mas no fim, decidiram criar seus próprios emojis modificados sem fechar nenhum acordo financeiro com a criadora. Infelizmente, nada de novo sob o sol - e as empresas ainda pagam de progressistas. Katrina ainda está enfrentando a Apple judicialmente, mas por enquanto sem sucesso.
Poderíamos olhar para outras questões sociais; emojis também produzem representações de gênero e até de determinadas religiões que carregam estereótipos e preconceitos enraizados nas instituições (e nos criadores) responsáveis por eles. Todas elas poderiam ser analisadas e questionadas, sejam intencionais e descaradas ou mais sutis.
Emojis ajudam pessoas a expressar como se sentem, criar e fortalecer conexões genuínas mesmo no ambiente online, que pode ser frio e impessoal sem as figurinhas. Mas essas questões levantadas são também problemas de design: do conjunto de conceitos a ser representado até como esses conceitos são representados, já que esses processos que carregam diversos vieses sobre raça, gênero e etc. É claro que não se pode melhorar algo que não existe, e a linguagem dos emojis tende a evoluir de acordo com as preocupações sociais vigentes. Por isso, mais de um ano depois da edição #6, decidi revisitar o tema: temos que nos manter questionando, e a discussão não se esgota num e-mail (e nem em dois). O que você acha?
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