#33 ícones digitais
afinal, por que o ícone de salvar ainda é um disquete? | tempo de leitura: 6 minutos
olá, esse é mais um história das coisas! na última edição de cada mês, eu trago para a makers gonna make uma breve história de algum artefato ou obra de design interessante. a edição de hoje nasceu da incontestável perenidade de alguns ícones digitais; mais precisamente, os ícones de interfaces gráficas de computadores. estamos em 2023 e para salvar um documento clicamos em um disquete. fala sério, nem eu peguei essa época. minha irmã, de 18 anos, nem sabe o que é um disquete. mas esse fenômeno só ocorre porque os primeiros ícones, desenhados na década de 1980, funcionaram muito bem - tão bem que quase não mudaram. então fui atrás dessa história. vamos?
💻 Xerox Star e os primeiros ícones para computadores
Embora hoje seja conhecida principalmente por suas impressoras e copiadoras, a Xerox também já produziu computadores; na verdade, foi a primeira empresa a produzir um computador pessoal com uma “GUI” - interface gráfica do utilizador (a sigla vem do termo em inglês). Era o Xerox Star.
Esse modelo, lançado em 1981, foi extremamente inovador. O Xerox Star introduziu os primeiros ícones e até mesmo o sistema de “janelas”. Como os computadores funcionavam antes das primeiras interfaces gráficas é bem difícil de imaginar se você não chegou a utilizá-los, e certamente daria assunto pra uma outra edição inteira; mas é suficiente saber que essa era a primeira vez em que os computadores faziam analogias visuais com elementos conhecidos pelos usuários: representações de folhas de papel para documentos, pastas de papel para conjuntos, etc.
Foi David Canfield Smith, um dos principais designers do Star, que inventou a metáfora da área de trabalho e seus ícones. A filosofia do projeto era “what you see is what you get” - o que você vê é o que você obtém - e esse foi o primeiro passo para criar interfaces amigáveis para usuários comuns, de fora do ramo da computação. No vídeo abaixo, o próprio David apresenta o Star, e fala dos ícones a partir do terceiro minuto:
Apesar da notoriedade das inovações, o Xerox Star era caro, não foi tão popular e não é muito lembrado.
🍎 Susan Kare e o Apple Macintosh
Talvez o que fosse necessário para criar uma interface amigável para usuários de fora da computação fosse uma designer de fora da computação.
Susan Kare foi chamada para trabalhar na Apple em 1982 por um amigo de longa data, Andy Hertzfeld. Ela tinha experiência com design e arte, mas nenhuma com computadores. Mesmo assim, ela aceitou o desafio. Sua principal tarefa seria desenvolver tipografias digitais e, posteriormente, os ícones que usaríamos pra sempre.
Para o lançamento do Apple Lisa, em 1983, Bill Atinkson já estava trabalhando em uma interface gráfica mais próxima do que vemos hoje, mas os ícones ainda eram muito parecidos com os do Xerox Star. Os ícones de Susan Kare só seriam apresentados no computador seguinte, o Apple Macintosh - mas depois disso, não teria mais volta. Sobre o trabalho, Susan conta:
“Ele [Andy] me mostrou um Macintosh muito rudimentar e explicou que precisava de gráficos para ele. Ele sabia que eu era interessada em arte e gráficos e que, se conseguisse algum papel quadriculado, poderia fazer pequenas imagens com os quadrados, que ele poderia transferir para a tela do computador. Me pareceu um ótimo projeto.”
Alguns dos ícones desenhados por Susan eram mais literais, como a lata de lixo para deletar arquivos e o disquete para gravá-los na memória do computador. Outros eram mais metafóricos e bem humorados, como a bomba para erros (crashes) e o famoso computadorzinho sorrindo. Ela elevou o conceito de user-friendly pra outro nível com essa. Mas além do bom humor, Susan teve uma vantagem ao realizar sua tarefa: ponto-cruz. Susan já contou em diversas entrevistas que sua mãe adorava artesanato, e a tinha ensinado ponto-cruz, mosaico e outras habilidades que, de uma forma ou de outra, remetiam aos grids de pixel com que ela precisou lidar na Apple. Por fim, ela sempre manteve foco na simplicidade: Susan defendia que ícones deviam ser “mais como placas de trânsito do que como ilustrações”: fáceis de compreender e de memorizar.
💾 O legado de Susan Kare e os ícones hoje
Ellen Lupton, designer, autora e curadora do Museu Cooper Hewitt, explica a importância do “DNA” criado por Susan:
“Quando Susan Kare ajudou a criar a interface ‘amigável’ da Apple no início dos anos 80, os computadores começaram a falar em imagens em vez de linhas de código. Seus ícones de bitmap faziam as pessoas se sentirem bem-vindas e seguras — mesmo quando o sistema travava e te apresentava o desenho de uma bomba. Os ícones bitmap originais de Kare, construídos a partir de pequenos quadrados pretos, foram eventualmente substituídos por ícones coloridos e ilustrados de forma mais elaborada, mas o pensamento central permanece o mesmo.”
Esse vídeo (muito simpático por sinal) mostra a evolução da interface do Mac, de 1984 até 2016 (o vídeo é de 2018):
É claro que, simultaneamente, outras empresas desenvolviam seus próprios ícones; mas eram inevitavelmente influenciadas pelo que a Apple já havia feito, seja pra fazer parecido ou tentar algo diferente. A Microsoft, por exemplo, não pôde usar ícones de lata de lixo, optando por uma “lata de reciclagem” pra evitar processos de copyright. É possível encontrar vários compilados da evolução dos ícones de cada sistema operacional hoje em dia, como essa lista com os conjuntos de ícones do Windows desde 1985. E uma curiosidade: Susan Kare trabalhou nos ícones do Windows 3.1 e foi a responsável pelo design do jogo de paciência do Windows 3, em 1990.
Voltando à discussão que levantei no início da edição, todos esses ícones - os de David, de Susan e os de outros designers também - funcionaram muito bem. Com certeza um ou outro falhou e sumiu antes da próxima atualização de sistema, mas os que funcionaram, como a lata de lixo, o disquete, a folha de papel etc, compuseram um léxico visual forte que se mantém até hoje. A linguagem dos ícones digitais é consolidada o suficiente pra que pessoas que não tiveram contato com os objetos literais representados (o disquete ou mesmo as pastas de papel e os arquivos físicos) ainda consigam utilizá-los e, mesmo que de vez em quando surjam discussões sobre atualizar esses ícones, é difícil pensar em propostas que não sigam a filosofia da interface do Xerox Star: what you see is what you get.
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obrigada por ler até aqui :) acho que deu pra perceber que eu pago muito pau pra Susan Kare, mas fala sério, ela merece - até a Ellen Lupton concorda. e você, o que acha? fique a vontade para responder esse e-mail se quiser conversar, compartilhar algo ou até mesmo criticar algum ponto da newsletter. espero que esse possa sempre ser um espaço de troca.
até a próxima terça!
- hele
Super! Recordei e amei!
Aprendi no CP500 ...
Eu super usei disquete na escola pra salvar trabalho!!! Mal cabia um doc de word kkkk e foi tipo em 2003/2004
E história das coisas é um dos temas que mais amo 💗