#85 batalha gráfica: Holmes vs. Tufte
ou "o debate sobre poluição gráfica e a importância das nuances" | tempo de leitura: 6 minutos
a edição de hoje conta (um pouco de) uma história. há algum tempo, quando me interessei mais pela área de visualização de dados, fiquei sabendo sobre uma rinha de designers. você já ouviu alguém falar algo como “esse design está muito poluído”? esse discurso é bastante comum na área de design de informação, graças ao trabalho de Edward Tufte. ao defender o minimalismo extremo na produção de gráficos, ele fez um inimigo: o famoso designer de gráficos Nigel Holmes. essa richa é o ponto de partida da edição de hoje, sobre ornamentos, interesse do leitor e boas práticas na visualização de informações. vamos?
🥊 Quem são Nigel Holmes e Edward Tufte?
Nigel Holmes é um designer de gráficos famoso pelas peças que produziu para jornais e revistas, especialmente nos anos 1980. Ele frequentemente usava ilustrações e elementos gráficos considerados divertidos como base para a informação numérica.
Já Edward Tufte é um professor de estatística e design gráfico que odeia os gráficos de Nigel Holmes. Eu não estou exagerando e nem insinuando nada: em seu livro Envisioning Information (1990) ele escreveu o seguinte sobre o famoso gráfico dos diamantes:
“(…) É repleto de clichês e estereótipos, humor grosseiro e uma terceira dimensão vazia de conteúdo. Tudo conta, mas nada importa. Por traz de toda a poluição visual está o desprezo, tanto pela informação quanto pelo público. Defensores da poluição gráfica acham números e detalhes chatos, monótonos e tediosos, exigindo ornamentos para tornar [o gráfico] mais vivo. A decoração cosmética, que frequentemente distorce os dados, nunca salvará um falta de conteúdo.”
Tufte é um dos maiores especialistas sobre visualização de dados no mundo e, em 1983, cunhou a expressão chartjunk (nessa edição, vou usar o termo em português, poluição gráfica). Chartjunk é qualquer elemento não essencial para a visualização de informação; isso inclui fundos coloridos, rótulos ou legendas redundantes, bordas, efeitos 3d e qualquer ornamento gráfico criativo “sem dados”, incluindo ilustrações e fotografias — para ele, tudo isso deve ser removido.
🎨 Qual é o real problema com ornamentos criativos em gráficos?
É justo comentar que Holmes fazia gráficos para revistas e jornais, que são relativamente simples, e Tufte é um professor de estatística, certamente acostumado com visualizações muito mais complexas. O controverso gráfico dos diamantes, que Tufte escolheu para comentar, expressa apenas dois níveis de informação: a variação do preço médio de diamantes e a passagem do tempo; a ilustração chama a atenção dos leitores e talvez, por ser mais interessante, possa ter algum efeito na memória de longo prazo sobre o gráfico, como alguns estudos já sugeriram.
Há gráficos muito mais complicados, que precisam expressar mais dimensões e comparar todas elas em um único visual. Nessas situações é provável que elementos criativos se tornem ruídos, mas não é o caso do trabalho de Holmes. O que pra mim torna essa richa entre os dois especialmente engraçada é que o Tufte não poderia prever o quão pior a poluição gráfica se tornaria com o advento e popularização de programas como o Excel e o PowerPoint.
Ilustrações, cores e símbolos que tenham relação com as informações numéricas do gráfico podem ser bons, se despertarem interesse e contribuírem para a retenção do que foi lido. Vamos ser sinceros: se nós não aguentássemos muitos estímulos simultâneos, a população de qualquer área urbana com a acesso a internet já teria sido dizimada. Da mesma forma que comentei na edição 13, sobre maximalismo, não é um desenho ou outro que vai arruinar a assimilação de um gráfico, mas sim se esse gráfico é eficiente ou não, de forma geral. Talvez o maior erro nessa discussão seja tentar comparar ótimos gráficos artísticos e ótimos gráficos minimalistas, ignorando os reais inimigos da visualização: os gráficos ruins.
📈 A simplicidade também pode falhar
Da mesma forma que nem todo gráfico com elementos criativos é necessariamente um gráfico ruim, nem todo gráfico sem eles é bom. No artigo The Chartjunk Debate, Stephen Few compara dois gráficos “Tuftianos” diferentes com um gráfico de Nigel Holmes:
Para Stephen Few, não adianta falar sobre poluição gráfica usando gráficos minimalistas ruins na comparação. Sobre os exemplos acima, eles escreve o seguinte1:
“O primeiro gráfico (à esquerda) é apenas feio. Ele ignora os princípios básicos do design, resultando em um visual desnecessariamente desagradável para os olhos. Ao exibir apenas os contornos das barras (sem cor de preenchimento) e delimitar o gráfico como um todo em uma borda de igual destaque aos contornos das barras, é criado um efeito visual desconfortável. O segundo gráfico (no centro) é uma segunda versão, com design melhor. Agora, quando comparamos esta versão simples com a versão “embelezada” de Holmes (à direita), não é difícil entender por que a imagem embelezada pode ficar em nossas cabeças por mais tempo e por que ambos os gráficos fazem um trabalho igual de comunicar a mensagem básica de que os metalúrgicos são pagou muito mais nos Estados Unidos do que em qualquer outro lugar, especialmente na Coreia do Sul. Mas se quisermos cavar mais e comparar os valores, só podemos usar a versão embelezada para fazer isso lendo os números, pois os elementos gráficos falham neste teste.”
🏆 Afinal, quem vence, Holmes ou Tufte?
Foi Tufte quem começou a richa ao citar Holmes diretamente; e Holmes chegou a responder às críticas de Tufte em algumas entrevistas. Apesar de soar como fofoca, a discordância pública dos dois traz a tona um debate com muitas camadas e que merece atenção.
Um gráfico de Holmes não pode ser representativo de tudo o que é produzido com ornamentos; e um gráfico preto e branco não pode ser o único referencial de um gráfico Tuftiano. Há nuances, e além de tratar bem os dados representados, é preciso considerar também o contexto: qual a complexidade do gráfico? Onde vai ser publicado? Quem precisa compreender as informações exibidas?
Também tem a ver com habilidades: Holmes é um bom designer de gráficos e seus designs cumprem o seu propósito. Um designer menos experiente pode não obter o mesmo resultado. Da mesma forma, alguém que ignora os princípios do bom design de informação pode falhar com uma abordagem minimalista.
Por fim, a própria definição de Tufte de poluição gráfica é um pouco vaga. Já para Stephen Few, que também citei na edição de hoje,
“nada que apoie a mensagem do gráfico de forma significativa é lixo. (…) A questão fundamental é se os enfeites apoiam os dados ou, em algum grau, os distraem ou os distorcem”.
Se você se interessa pelo tema ou anda precisando criar gráficos por aí, deixo duas sugestões de leitura:
Storytelling com dados, de Cole Nussbaumer Knaflic
How charts Lie, de Alberto Cairo
obrigada por ler até aqui:) essa edição é um reenvio com a adição de links e alguns ajustes da edição 31 da makers. na época, a newsletter tinha 600 inscritos — cerca de 19% do total de hoje, então achei que valia a pena compartilhar o texto outra vez. e você, o que acha? fique a vontade para responder esse e-mail se quiser conversar, compartilhar algo ou até mesmo criticar algum ponto da newsletter. espero que esse possa sempre ser um espaço de troca :) e se você acha que alguém que você conhece gostaria dessa edição, compartilhe:
Caracaaaaaa, eu amei essa treta!
"Talvez o maior erro nessa discussão seja tentar comparar ótimos gráficos artísticos e ótimos gráficos minimalistas, ignorando os reais inimigos da visualização: os gráficos ruins."
Que bom que essa moda Y2K não trouxe as porcarias de gráfico do PowerPoint e lettering do WordArt de volta.
Maravilhosa a leitura, puta merda
Que texto maravilhoso! Não conhecia essa história e amei os gráficos do Holmes. Como alguém que não gosta nada de analisar dados me interessaria muito mais por eles se fossem apresentados nesses formatos hahah