#84 makers pergunta: num mundo cada vez mais digital, por que escolher os impressos?
conversas que tive na feira Delícia Impressa :) | Tempo de leitura: 9 minutos
oie! seja bem-vinde a mais uma edição da makers :) eu sou hele carmona, jornalista & designer. no último fim de semana eu participei da minha primeira feira de arte impressa, a Delícia, e aproveitei pra conversar com alguns dos artistas-designers-produtores de lá. nessa edição conto um pouquinho da experiência e compartilho as entrevistas (e os trabalhos de quem conversou comigo, claro!). vamos?
Um breve resumo da minha primeira experiência como expositora
Mesmo já esperando um evento movimentado, fiquei surpresa com a quantidade de gente – senti calor humano mesmo, no melhor sentido. Talvez por eu ainda não ter muita casca, foi um fim de semana intenso e cansativo, mesmo contando com uma amiga pra me ajudar nos atendimentos. Mas independente disso foi muito legal apresentar meu trabalho para pessoas novas e, principalmente, conhecer pessoalmente quem já me acompanha na makers ou nas redes sociais!
Um dos meus acertos na preparação pra feira foi ter criado peças mais simples. Meus trabalhos costumam ser densos em conteúdo e gastam muito papel (já que eu faço zines a partir do que eu escrevo), mas, sabendo que a feira reúne muitos criadores incríveis e que ninguém consegue comprar de todo mundo, criei três postcards mais acessíveis – e eles foram sucesso :) Outra coisa que ajudou muito foi pedir dicas para quem já tem experiência como expositor. A previsão que eles me passaram de quanto levar de cada produto bateu certinho com as minhas vendas.
Feiras como a Delícia importam porque elas celebram e fortalecem a comunidade criativa independente. No fim do dia, tirei um tempo para trocar peças com outros expositores – zines, postcards, etc – e assim levar um pouco do trabalho de cada um para casa. Mais do que vender, esses eventos são sobre trocas :) O que me leva à segunda seção dessa edição, em que oito criadores respondem:
Num mundo cada vez mais digital, por que você escolhe trabalhar com impressos?
Helder Kawabata | @costuradus
Helder participa de feiras desde 2016, quando estreou na Parada Gráfica, no Rio Grande do Sul. Também já esteve na feira Miolos, na Dobra, na Bicicleta (em Joinville), na E-cêntrica (em Goiânia) e na Motim (em Brasília), e outras, sempre avaliando a viabilidade e o retorno de cada evento.
Num mundo cada vez mais digital, por que você escolhe trabalhar com impressos?
Eu gosto muito de artesanato. Desde pequeno eu gostava de desenhar, de fazer coisas manuais. Eu faço meu trabalhando muito no artesanal, mas eu também misturo com partes digitais. Minhas ilustrações partem do digital, mas eu não consigo só manter isso no digital. Eu preciso ter essa parte gráfica manual, artesanal e material também. Quando a gente fala de livro, eu acho que a gente não pode fugir muito do material.
O material possibilita muito entendimento sobre o fazer do livro, ele ajuda também a gente ter as noções das possibilidades do que o digital às vezes não tem. Porque às vezes a gente esbarra na materialidade e acaba não conseguindo passar [uma ideia digital] pro papel.
Mas a partir desses desafios você consegue achar novas saídas, né? É legal porque aí surge criatividade.
E eu gosto bastante, porque no digital às vezes eu tenho alguma limitação que eu consigo burlar com um material. Então eu sempre crio pensando em como que eu vou finalizar aquele conteúdo de forma material.
Trabalho preferido: Pequeno Alfabeto Infinito, um livrinho que contém um alfabeto completo desenhado e montado como uma sanfona, cortada em três partes. Isso cria diversas combinações de letras, tornando o livro uma experiência de exploração visual, sem um objetivo narrativo fixo.
Isabela e Júlia, do coletivo Pressa Press | @pressa.press
O coletivo participa de feiras desde 2023, quando estreou na Printa Feira, em São Paulo. Desde então, já participaram de cerca de dez eventos.
Num mundo cada vez mais digital, por que vocês escolhem trabalhar com impressos?
O impresso tem um ritmo diferente de trabalho. Você escolhe como vai representar aquilo em um formato diferente, com uma textura diferente, às vezes de papel, tátil. Acho que isso traz muitas coisas que só o digital não tem. Estamos cada vez mais no digital, então, quando você para para olhar com calma o impresso, tanto no processo de fazer quanto no de observar, isso se destaca dos dois lados.
No digital, estamos muito acostumados a uma velocidade diferente. Você olha a informação e, às vezes, ela nem te impacta tanto. O impresso, por outro lado, tem essa coisa de ser quase um objeto de memória, algo que você pode guardar e revisar. Isso faz você prestar mais atenção, até no processo de produção, porque há aspectos que precisam ser considerados, como decidir entre impressão digital ou risografia.
Essas escolhas fazem você pensar de maneiras diferentes. E mesmo como consumidora de impresso, isso te faz prestar mais atenção, porque você está comprando, vendo o material ali na sua frente.
Sempre gostei muito do objeto físico, de poder tocar, colocar um print na parede, folhear uma zine. São experiências muito diferentes de simplesmente ler algo no digital.
Trabalho preferido: Risografia Casa de Vó. Foi uma colaboração em que cada membro do coletivo contribuiu com uma parte do trabalho. O logo do coletivo, uma galinha apressada, inspirou a ideia de explorar objetos relacionados a esse universo, criando uma estética que lembra uma casa de vó brasileira.
Bia Hack e Paloma Mayo, do coletivo Xiado | @x.i.a.d.o
A Delícia Impressa foi a terceira feira da qual o coletivo participou.
Num mundo cada vez mais digital, por que vocês escolhem trabalhar com impressos?
Acho que a manualidade sempre foi algo terapêutico para mim. Ela me ajuda a exercitar minha criatividade, porque, a partir do momento em que eu testo novos materiais e novas formas de colocar o que estou pensando no mundo, isso me faz pensar em novas soluções para problemas também.
Tem algumas coisas no impresso e na manualidade, técnicas, que a gente só consegue no presencial, no digital a gente não consegue, e eu acho isso muito legal.
Tem também a oportunidade de conseguir ter alguns impressos que sempre vão ser únicos, entende? A risografia, a gravura... cada impresso é uma coisa única. Eu acho isso muito especial, acho bem precioso. Bem diferente do digital, que é sempre a mesma coisa, reproduzível.
Trabalhos preferidos: o de Paloma é seu livro independente Crônicas Oníricas dos Sonhos mais Curiosos e, talvez, de curadoria duvidosa, uma publicação sobre sonhos em que ela pode explorar muitas áreas de si mesma e de outras pessoas. O de Bia é a revista Devir: conversas sobre a infinitude do criar, projeto que envolveu entrevistas, onde artistas mais velhos compartilhavam suas trajetórias e sentimentos sobre o fazer artístico.
Rodrigo Okuyama | @okuyama_rod
Rodrigo nem sempre participa de feiras no Brasil; ele mora no Japão, onde tem exposto regularmente no Zine Day Osaka e no Osaka Zine + DIY Fest.
Enquanto no Brasil as feiras de impressos costumam reunir diferentes formatos, como zines, quadrinhos, art books e literatura, no Japão os eventos tendem a ser mais segmentados. Algumas feiras são exclusivamente dedicadas a zines, enquanto outras focam apenas em quadrinhos, tornando a experiência um pouco diferente.
Num mundo cada vez mais digital, por que você escolhe trabalhar com impressos?
Acho que minha ideia era explorar mais meus trabalhos com estêncil, pensando nisso. Quero tentar explorar o tipo de material e as dobraduras, porque isso só funciona no impresso. A minha ideia de trabalhar com o impresso é justamente essa, principalmente com estêncil: explorar um papel que não precisa ser reproduzido no digital.
Para mim, o sentido é esse — fazer um trabalho que só funcione ali, algo que não seria possível migrar para o digital.
Trabalho preferido: Zine Dum Dum, um quadrinho em que o final muda conforme a dobra. A ideia é brincar com a narrativa, fazendo a história ganhar novos sentidos a cada virada.
Daniel Bicho, da Risotrip | @risotrip
Daniel, com a Risotrip, participa de feiras há 10 anos. Desde o seu início na riso, junto com Igor Arume, ele participa de feiras para mostrar os trabalhos que desenvolve e outros aspectos do processo.
Num mundo cada vez mais digital, por que você escolhe trabalhar com impressos?
Eu acho que a resposta está um pouco aí. A gente já tem muita memória afetiva do impresso. Tanto eu quanto o Igor, que começou comigo na época, sempre tivemos um apreço por esse lado.
Eu tinha muito essa ideia de quadrinho, enciclopédia, minha avó era bibliotecária, então eu cresci com um monte de livro ao redor. Para mim, ter um trabalho que só ficasse no digital parecia incompleto.
E quanto mais o mundo ia para esse lado, mais eu queria encontrar uma estratégia para seguir outro caminho e continuar com as coisas físicas. A risografia foi uma solução boa, porque não fazia mais sentido fazer mega tiragens. Ela permitia que eu fizesse tiragens pequenas, vendesse sem gastar muito dinheiro, e foi funcionando assim.
Não quis escolher um trabalho preferido: “Cara, difícil, são muitos ao longo do tempo. Não consigo, são 10 anos já.”
Nuno Q Ramalho | @nunoqramalho
A Delícia Impressa foi a quinta feira da qual Nuno participou.
Num mundo cada vez mais digital, por que vocês escolhem trabalhar com impressos?
Eu não vendo muito trabalho digital, não gosto do prospecto de fazer um NFT ou algo do tipo. Eu acho interessante me pensar também como um gravurista, não só pintor, desenhista.
O impresso, a gravura, o múltiplo, me permitem pulverizar o meu valor para poder financiar meus projetos mais caros, que seriam a pintura a óleo.
Com o impresso, eu tenho um produto que é mais acessível. Porque esse mesmo trabalho numa pintura a óleo, bota mais dois zeros no valor, pelo menos. A possibilidade de poder atender várias camadas de público me interessa também.
Trabalho preferido: Noite Vazia, Coração Perdido, uma publicação de 34 páginas com desenhos inéditos que exploram a narrativa visual e a escrita. A obra conta a crônica de uma noite solitária e os gritos de um coração perambulante.
obrigada por ler até aqui! fica registrado aqui o meu muito obrigada a todos que trocaram ideia comigo, quem topou participar das entrevistas, a organização da feira e minhas amigas que compareceram :) e você, já participou de feiras independentes como expositor ou visitante? fique a vontade para responder esse e-mail. e se você acha que alguém que você conhece gostaria dessa edição, compartilhe: