#79 eu odeio a cor do ano (e a pantone)
ou "pessoalmente eu acho errado existir um monopólio sobre CORES" | tempo de leitura: 7 minutos
todo ano a pantone anuncia sua “color of the year”. em 2025, é mocha mousse, um marrom feioso anunciado com um vídeo de muito mau gosto gerado por IA. o que a pantone sabe que você não sabe pra dizer qual é a cor do ano, e por que é que desde 2023 quem quiser usar cores pantone em qualquer programa da adobe precisa pagar um valor extra (de 75 dólares por mês, diga-se de passagem — mais de 400 reais)? agora precisa pagar pra usar uma cor? sim, é bem por aí.
🧐 Um monopólio sobre as cores
Por que a Pantone é tão importante? Se você não é designer, talvez nem tenha certeza do que é ou como funciona a Pantone. Eis um breve resumo: em algum momento da história, um cliente chegava pra um designer e dizia: “eu quero um anúncio amarelo”. Bom, que amarelo? Sei lá, amarelo escuro. Tá, mas o quão escuro? Tem zilhões de amarelos no mundo. Como saber qual ele quer? A solução foi criar catálogos com inúmeras amostras de cores e se comunicar através deles: “eu quero esse amarelo aqui”.
Daria pra fazer isso com o sistema CMYK, que surgiu nos anos 1940. Amarelo escuro? Não, melhor chamar de C0 M30 Y100 K0. Daria pra fazer, mas ninguém fez; quem fez foi a Pantone. Ela criou um sistema baseado em 14 pigmentos base1, onde a tinta era misturada antes de ir para a impressora, o que garantia muito mais precisão no tom (é por isso que, até hoje, cada tom Pantone precisa ser impresso sozinho, porque é uma tinta só). Eles criaram o próprio catálogo, com cerca de 40 tons2, para garantir a uniformidade das cores em mídias e superfícies diferentes. Nos anos 1970, o catálogo já tinha vendido mais de 100 mil cópias, e a Pantone deixou de ser uma empresa de impressão pra ser uma empresa que cataloga cores.
Com a passagem do tempo e o deslocamento da criação para telas de computadores, esse sistema de gerenciamento foi ficando mais necessário. A importância da Pantone não está nas cores em si, mas no gigantesco sistema de compatibilidade, alimentado por décadas, que é capaz de te dar a fórmula de uma cor em qualquer superfície: telas, papel, tecidos, etc. Hoje o guia conta com mais de 1.800 tons.
Uma matéria escrita em 2002 (!) — Living Color, na Wired — critica o monopólio que surgiu a partir daí: a Pantone não é dona das cores, mas controla a forma que nos referimos a elas, o que é quase a mesma coisa. No final de 2022, a empresa anunciou que cobraria uma taxa extra de usuários da Adobe que quisessem acessar suas amostras em programas como Illustrator e Photoshop. Todos os catálogos (antes gratuitos) da Pantone foram removidos dos programas, e só podem ser adicionados novamente através de uma assinatura que custa 75 dólares por mês no plano mais básico. Caso você tenha um arquivo antigo com cores Pantone mas não pague a assinatura, as cores no seu arquivo são substituídas por preto. Isso que dizer que se um designer ou artista estava há 10 anos criando suas peças com cores Pantone e não paga a taxa, puff, seus arquivos originais não são mais seus. (É claro que a Adobe tem sua parcela de culpa).
Esse movimento não foi isolado: até o final de 2021, apesar de um catálogo Pantone custar mais de 1.500 reais, dava pra acessar as amostras no site pelo Pantone Color Finder. Não era a mesma coisa que ter o catálogo, mas já ajudava muito, já que era possível ver as cores mais próximas em RGB, hex e CMYK.

Em dezembro de 2021, o Color Finder foi substituído pelo Pantone Connect, que é a mesma coisa, só que pago. Não existe mais um jeito gratuito de acessar o código de uma cor Pantone, e a essa altura basicamente o mercado todo precisa desse acesso. Há alguns guias alternativos, como o Pantone Colour Chart, mas eles são incompletos.
💩 A cor do ano é uma profecia autocumprida
O discurso oficial da Pantone é que a cor do ano é escolhida por especialistas e baseada na psicologia das cores, no momento social global, na economia, mas a empresa nunca apresentou qualquer tipo de pesquisa ou embasamento que justifique as escolhas. Aquela matéria de vinte anos atrás da Wired já dizia:
“A Pantone está polindo sua imagem como uma autoridade em cores justamente quando a autoridade é o que os grandes designers procuram. Em essência, essa confiança nas cores é o que a Pantone sempre forneceu. Primeiro, a garantia de que o azul que você deseja é o azul que você obterá. Agora, uma maneira de justificar as decisões para as equipes de gerenciamento que não querem assinar uma linha de roupas roxas apenas porque o chefe de design está "curtindo roxo".”
O buzz que eles geram somado com a autoridade da empresa faz com que designers e outros negócios acatem a escolha, produzindo artefatos naquela cor, muito além das coleções oficiais em collab. Afinal, é a cor do ano. É uma profecia autocumprida: todo mundo que acreditar que Mocha Mousse é a cor de 2025 vai tornar Mocha Mousse a cor de 2025, por mais aterrorizante que ela seja.
🎨 Stuart Semple e o ativismo pela liberação das cores
Eu juro que essa história é meio engraçada. O print é do CultureHustle.com e diz “Como todos os sites hoje em dia, este usa cookies para garantir que você obtenha a melhor experiência, incluindo publicidade personalizada. Por favor, diga-nos que você concorda com isso - E confirme que você não é Anish Kapoor” e no botão: “Não sou Anish Kapoor e estou feliz com Cookies“.
O artista Anish Kapoor foi banido do CultureHustle, de Stuart Semple, por causa de uma cor chamada Vantablack. Desenvolvida pelo laboratório inglês NanoSystem, é a tinta preta mais preta do mundo, absorvendo 99,9% dos raios de luz. Em 2016, Anish Kapoor comprou os direitos para usar a tinta, proibindo qualquer outro artista de usar. Em resposta, Stuart Semple criou um crowdfunding para financiar a produção da tinta Black 3.0, um preto quase tão preto, que absorve 99% dos raios de luz e pode ser comprado e usado por qualquer um — menos Kapoor.

Semple se declara um ativista pela liberação das cores. Ele detesta Kapoor e se refere a ele como seu maior inimigo desde que ele tentou comprar os direitos de uso do rosa mais rosa — o Pinkiest Pink, pigmento criado por Semple; porque ele acredita que insumos para arte não podem ser exclusivos de ninguém. Em 2022, Semple também fez um movimento contra o monopólio da Pantone, quando criou a Freetone.
Se trata do mesmo catálogo da Pantone, mas compatível com o pacote Adobe e sem paywall. O amarelo Freetone 116 C é idêntico ao Pantone 116 C, então você pode fazer seu trabalho no computador, mandar pra uma gráfica e ter o resultado esperado. Semple disse em uma entrevista ao Hackaday: “Eu gostaria de vê-los tentar e argumentar que eles são os donos [das cores]”. Em um mundo onde tem alguém tentando impedir outras pessoas de usarem certas cores, eu fico com artistas como Semple.
Na edição passada eu contei em detalhes como foi publicar meu primeiro livro, Glifo por Glifo, de forma independente. Se você não conseguiu comprar seu exemplar físico, mas ficou curioso pra ler, saiba que ainda dá pra adquirir a versão digital por 38 reais. A chave pix é contato@helecarmona.com. É só me mandar o comprovante no e-mail contato@helecarmona.com pra receber o arquivo PDF :)
obrigada por ler até aqui :) essa edição é um reenvio (com atualizações e pequenos ajustes) da edição 19 da makers. na época, a newsletter tinha 360 inscritos — cerca de 12% do total de hoje, então achei que valia a pena compartilhar o texto outra vez. ainda mais com essa cor tenebrosa que eles escolheram pra 2025. “ai, porque é uma cor segura, confortável, como chocolate quente e terr-” não me interessa!! é feio!! e você, o que acha? como sempre, fique a vontade para responder esse e-mail. espero que esse possa sempre ser um espaço de troca. e se achar que alguém mais pode curtir esse texto, compartilhe a newsletter :)
Muitas informações que encontrei em fontes diferentes não batem. Os artigos linkados na edição são os que escolhi pra me basear.
Esse número também varia: já vi que eram 40, 500, mil tons. Impossível dizer, mas fiquei com 40 porque foi o Ron Potesky, executivo da Pantone, que falou numa matéria da Slate.
cor das enchentes do RS. cor muito estranha mesmo. ótimo texto. obrigado 🙏 por compartilhar
A Pantone mexeu em um vespeiro muito perigoso que foi o divórcio com a Adobe em 2022/23. Muitos trabalhos meus precisaram atualizar de Pantone para CMYK para serem acessados e foi uma dor de cabeça gigante pegar tabela e comparar cores. O Pantone, ao cobrar uma assinatura extra de pelo acesso às suas cores, está empurrando designers para alternativas gratuitas como FreeTone e Swatchos. É um tiro no pé: a Adobe perde valor por não ter mais as cores nativas em seus programas, os designers precisam gastar mais dinheiro ou mudar seus processos de trabalho, e o próprio Pantone pode perder sua relevância no mercado ao se distanciar do dia a dia dos profissionais de design.