#78 como é publicar um livro independente?
finalmente vou compartilhar todas as etapas com vocês! | tempo de leitura: 13 minutos
oie! seja bem-vinde a mais uma edição da makers :) eu sou hele carmona, jornalista & designer. na edição de hoje eu finalmente vou contar como foi o processo de publicação do meu primeiro livro, Glifo por glifo. trabalhei nisso durante quase todo o ano de 2024 e, agora que o livro já está no mundo, consegui parar para falar sobre cada etapa. vamos?
disclaimer: todo livro é diferente, e esse foi o meu processo
Glifo por glifo é um livro de não ficção sobre Design e Escrita que foi financiado através de uma campanha no Catarse; o valor arrecadado financiou a produção de 100 cópias impressas. Todos esses marcadores são importantes: se você vai publicar ficção, se é de outra área ou se vai buscar outras formas de financiamento, sua experiência pode ser muito diferente. Na verdade, o processo de publicação de cada livro independente é único. Acredito que a função desse meu relato é oferecer uma perspectiva que, somada a outras — Os custos, serviços e resultados da auto-publicação de um livro de ficção no Brasil, de Rodrigo Pontes, e Mega-post de marketing para autores da Giu Domingues, por exemplo — possa ajudar autores e curiosos a compreenderem melhor esse assunto que não devia ser tão misterioso.
0. motivações & objetivos
A primeira coisa que eu precisei fazer para publicar o Glifo foi entender com clareza as minhas motivações. Não vou enviesar essa conversa para o papo de “propósito” e “golden circle”; mas é só a partir da motivação que se pode definir os próximos passos. Se o seu objetivo for ficar rico/ganhar muito dinheiro com o seu livro, vai ter que se preocupar mais com as etapas de produção gráfica (por conta dos custos) e escala (talvez seja melhor publicar um livro digital, por exemplo). Se é espalhar uma mensagem, seu foco deve ser divulgar o livro para o maior número de pessoas possível e talvez isso queira dizer investir uma grana sem expectativa de retorno. Enfim, a motivação nos diz onde colocar mais energia.
Eu acredito genuinamente que designers deviam escrever mais, e essa motivação me levou ao objetivo principal: distribuir o máximo de cópias possível. Ao longo de todo o processo, foi isso o que me guiou: tomei a maioria das decisões pensando sobre como eu poderia aumentar a visibilidade e o alcance do projeto.

1. conteúdo: pesquisa, escrita e tratamento do texto
Ai meu deus eu sei que isso é óbvio — se você quer publicar um livro, você precisa escrevê-lo antes. A empolgação pode nos levar a começar a imaginar o livro pronto, impresso, blá blá blá, mas sem o texto final você não consegue falar sobre o seu livro com clareza, não consegue fazer orçamentos precisos para a produção gráfica (porque é preciso ter uma ideia do número de páginas, principalmente para tiragens baixas), não consegue nem orçar uma revisão de texto profissional.
Entre pesquisa teórica e escrita em si, eu levei cerca de oito meses para chegar no conteúdo de Glifo por glifo (e olha que o livro só tem 32 páginas, risos). A etapa de pesquisa bibliográfica e entrevistas foi a mais longa (abril-agosto de 2024), e eu falei sobre meus principais referenciais teóricos na edição 71 da newsletter. Sobre as entrevistas, foram 15 conversas, e eu contei um pouco sobre o processo na edição 72.
O conteúdo do workbook, que inclui teoria e exercícios, foi definido ao longo do mês de setembro. Tomei atenção especial para que os exercícios fossem convidativos e agradáveis, e não apenas tecnicamente embasados; já que a partir dos dados coletados, foi possível identificar que os fatores que mais afastam designers da prática da escrita são a falta de incentivo e a falta de confiança.
Além das entrevistas, analisei alguns livros semelhantes ao meu projeto, compostos por exercícios práticos para designers ou outros profissionais criativos: Aprender de coração (2023), de Corita Kent; Exercices d'observation (2022), de Nicolas Nova; e Graphic Design Play Book (2019), de Aurélien Farina e Sophie Cure. Essa análise de livros do mesmo nicho é super informativa. Também considerei a minha experiência pessoal com a escrita e minha formação em jornalismo.
Em outubro fiz uma viagem longa que me deixou off, e em novembro passei pelas etapas de revisão e feedback. Eu contei com a revisão atenta do meu orientador, além de palpites das minhas melhores amigas e uma apresentação informal do livro para o grupo de estudos DEMO, da Esdi. Nesse ponto, muitas pessoas contratam os serviços de revisão profissional e leitura crítica. É o momento de fazer os últimos ajustes :)
2. financiamento do projeto
Decidi colocar esse como o segundo item porque a quantidade de dinheiro que você tem disponível para o seu projeto — ou a quantidade que você está disposto a se esforçar para arrecadar — pode determinar decisões que parecem básicas:
O livro vai ser digital, impresso ou os dois?
Se for impresso, qual será a tiragem?
Você vai contratar outras pessoas para revisar, diagramar, ilustrar ou divulgar o livro?
Você precisa lucrar com esse projeto ou pode “perder” dinheiro?
A produção de 100 exemplares de Glifo por glifo custou pouco mais de 6 mil reais, e esse valor foi arrecadado em 11 dias (18 a 28 de novembro de 2024) de campanha no Catarse. Não houve lucro expressivo, mas a produção se pagou e eu vendi todos os exemplares disponíveis, então posso dizer que cumpri o meu objetivo de espalhar o Glifo por aí :)
Eu decidi fazer um financiamento na modalidade flexível, na qual o proprietário da campanha se compromete em arcar com a parcela do orçamento que não for atingida durante o período de arrecadação, para garantir que as recompensas da campanha — nesse caso, os livros — sejam entregues àqueles que contribuíram. É possível criar uma espécie de pré-venda através de uma campanha como essa, oferecendo os exemplares finais como recompensa para apoiadores a partir de uma determinada faixa monetária — no caso do workbook, um exemplar físico podia ser adquirido a partir de 68 reais. Eu cheguei nesse valor através de uma equação simples: quanto dinheiro eu precisaria para tirar o projeto de papel dividido pela quantidade de cópias que seriam produzidas (mais uma pequena margem para emergências).
Em relação à logística, plataformas de financiamento coletivo coletam e organizam dados dos apoiadores para o envio de recompensas, além de arrecadar e repassar o valor do financiamento. Não precisei me preocupar em oferecer diferentes formas de pagamento, como crédito ou débito, nem em coletar os endereços individualmente.
Muitas ideias deixam de ir ao mundo por falta de orçamento, então me senti muito honrada de ter conduzido um processo bem-sucedido de financiamento coletivo. Isso demonstra o potencial da modalidade para financiar iniciativas criativas, além da importância de um orçamento bem definido, transparente e realista para a execução de projetos similares.
No meu caso, a meta de campanha de R$ 6.150 cobriu a impressão de 100 exemplares + 100 prints (R$ 2.200), envio para todo o Brasil e materiais de embalagem, incluindo envelopes, etiquetas, papel protetor e custo de envio (R$ 1.143), mão de obra (R$ 2.000) e taxas da plataforma (R$ 800, ou 13% do valor total arrecadado).
Não conseguiu comprar um exemplar físico de Glifo por glifo? Ainda dá pra adquirir a versão digital por 38 reais :) A chave pix é contato@helecarmona.com. É só me mandar o comprovante no e-mail contato@helecarmona.com pra receber o arquivo PDF :)
Eu escolhi cortar custos com revisão e diagramação, confiando na leitura de professores e amigas e diagramando o livro sozinha; e escolhi investir no visual do livro contratando uma ilustradora profissional e escolhendo a impressão em risografia. Essas escolhas me ajudaram a manter um orçamento relativamente baixo (há projetos no Catarse similares que arrecadam 15, 20 mil reais) sem perder de vista meu objetivo principal: que o livro chegasse aos leitores; para isso, o apelo visual era essencial e eu precisava considerar custos de embalagem e envio, então fez sentido alocar mais dinheiro nesses pontos do projeto. Suas escolhas podem ser diferentes de acordo com a sua prioridade.
Se você tem as condições pra isso, nada te impede de financiar um livro do seu próprio bolso; mas confesso que tive a impressão de que a campanha de financiamento coletivo trouxe bastante visibilidade para o livro, além do dinheiro. Meio que matou dois coelhos com uma cajadada só, já que funcionou como uma pré-venda e resolveu a questão da distribuição dos exemplares.
3. diagramação, ilustração e outras decisões visuais
Com o texto finalizado e alguma noção do seu orçamento, é hora de pensar sobre a forma do livro. Publicar apenas no formato digital é mais barato, mas o impresso tem seu charme (e exige um trabalho mais específico, como fechamento de arquivos para impressão). Eu vendi 92 cópias do Glifo na versão física vs. 15 na versão digital, o que me diz que a minha aposta no modelo impresso foi certeira — mas como tudo na vida, vale analisar o seu público e a sua vontade pessoal. Eu quis um livro impresso e então eu fiz ;)
A diagramação é um processo obrigatório, mesmo que seja a diagramação padrão da Amazon para vender um e-book no Kindle. Se você é designer, deu sorte; é o meu caso, então não gastei nada (além de tempo) para diagramar. Se você não é, pode contratar um ou diagramar seu livro de forma amadora (acredite, não é ilegal). Já a ilustração é opcional, apesar de que é verdade que uma boa capa ajuda muito na divulgação do livro. Eu desenho, mas queria ilustrações incríveis, então decidi contratar minha amiga Maria Mercante. No fim, essas decisões dependem muito do quanto você se importa com a aparência final do seu projeto e de quanto dinheiro você tem disponível (ou está disposto a tentar arrecadar).
Eu diagramei Glifo por glifo no início do mês de novembro, enquanto fazia os ajustes finais no texto. É importante lembrar que eu demorei pouco tempo porque (1) sou designer e costumo trabalhar com diagramação, então tenho prática; e (2) meu livro tem 32 páginas. Se eu precisasse aprender a diagramar do zero e fossem 300 páginas, naturalmente eu demoraria muito mais. Como Glifo é um livro voltado para o público criativo, o visual teve um peso a mais, e isso me levou a tomar duas decisões de grande impacto na versão final do livro: usar técnicas analógicas para as composições e imprimir a tiragem em risografia. Na edição 73 eu falo disso com mais detalhes.
4. burocracias
Para publicar um livro oficialmente é preciso registrá-lo na Câmara Brasileira do Livro. Eles cobram uma taxa de 82 reais para emitir um ISBN (tipo o CPF do livro) e a Ficha Catalográfica. O processo é super rápido e fácil de fazer pela internet, e é preciso fazer essa parte antes de mandar o livro para impressão — já que o ISBN e a ficha vão constar no livro pronto.
5. montagem e pós-produção
A montagem se refere materialização do livro, a costura das páginas, refile e etc. Normalmente essa parte é terceirizada e o livro já vem prontinho da gráfica, mas se você é designer ou um entusiasta de publicações artesanais pode ser que você queira montar os seus livros sozinho. Foi o meu caso: Glifo só tinha 32 páginas e costurar cada livro pareceu divertido, além de que me economizou uma grana.
Já no pós-produção, eu investiria tempo e dinheiro em boas fotos do livro (ou até vídeos) porque esse tipo de material ajuda muito na divulgação.
Eu tive o privilégio de ter acesso a uma câmera profissional e a um mini-estúdio fotográfico (caixa de luz) emprestados, então arrisquei fazer as fotos eu mesma. Reconheço que não são brilhantes, mas ficaram muito melhores do que se eu tivesse fotografado na minha mesa com o celular. Se eu não tivesse contado com esses materiais emprestados, teria incluído uma sessão de fotos profissional no orçamento total do projeto, porque vale a pena: as fotos ajudaram muito na campanha e nas vendas do livro. Não fiz vídeos e nem fotos minhas com o livro em mãos, e me arrependi um pouco; acho que teria usado esse material também.
6. divulgação e vendas
Sobre divulgar e vender livros de forma geral, a
tem ótimos textos sobre o assunto que me ajudaram a entender como eu podia (e gostaria de) divulgar meu livro: Sobre divulgar a minha arte e Como chegar aos leitores e vender livros?. O segundo está disponível apenas para inscritos pagos da newsletter dela e eu super indico a assinatura pra quem se interessa mesmo pelo mercado literário.Eu não tenho problema de falar em público nem nada do tipo (sei que pra quem é tímido é pior), mas não adianta só falar do seu projeto. É preciso ter uma estratégia de divulgação porque essa fase pode durar semanas ou até meses, e não dá pra fazer a mesma coisa todos os dias. Eu falei do meu projeto informalmente enquanto ele estava em desenvolvimento, e quando lancei a campanha, falava dele todos os dias. Às vezes rola a sensação de estar incomodando por ser repetitiva, mas honestamente? Prefiro incomodar e pagar o livro do que agradar e não pagar.
Foi importante para as vendas/apoios ter uma página de campanha muito completa em informações, com imagens, detalhes sobre o livro e um orçamento realista e transparente. Todas as minhas ações de divulgação direcionavam as pessoas pra essa página. Acho que isso trouxe uma confiabilidade para pessoas que não me conheciam comprarem exemplares contribuindo com a campanha.
Ao longo dos 11 dias de campanha eu intercalei mensagens no WhatsApp para pessoas interessadas, e-mails para professores e conhecidos da área do Design que poderiam me ajudar, mensagens pessoais para amigos e familiares, posts em diferentes formatos no Instagram e no Linkedin e até colei cartazes no campus da Esdi. Eu poderia escrever uma edição inteira sobre como organizei as ações de divulgação, porque é tanta coisa que não caberia aqui de forma detalhada junto com outros temas. Deixa um comentário se você se interessa por esse tema e quer ver essa edição no futuro?
Conforme eu expliquei na seção sobre financiamento, a campanha do Catarse funcionou como uma pré-venda, então não precisei lidar com burocracias de pagamentos, coleta de endereços e etc. Se preferir, você pode receber pagamentos por pix ou até descolar links de pagamento por cartão de crédito (acho que o Nubank tem), mas fazer tudo manualmente exige o dobro de atenção e organização pra não confundir os dados nem esquecer de enviar os livros de ninguém. Também dá pra vender livros digitais direto pela Amazon; eu não tenho nenhuma experiência com isso, mas já vi vários tutoriais por aí.
7. é preciso uma aldeia inteira
Assinei meu livro individualmente, mas não consigo deixar de sentir que foi um projeto coletivo. Tantas pessoas me ajudaram: meu orientador Wandyr Hagge e os professores Daniel Portugal (Esdi) e Eduardo Souza (Ufpe) na parte acadêmica; minha amiga e chefe
com o planejamento da campanha de financiamento, precificação e estratégia de divulgação; Daniel Bicho da Risotrip, responsável pela impressão do workbook e que ofereceu apoio técnico e material; Maria Mercante, minha amiga que aceitou ilustrar o livro sem saber se receberia um centavo; Lucas, meu melhor amigo, mestrando em Direito que se interessou pelo meu projeto desde o início e me fez recomendações valiosas de bibliografia que enriqueceram a parte teórica; Madu, que me acompanhou numa viagem pela Europa de duas semanas no meio do período letivo, na qual eu não escrevi uma linha, mas visitei tantos museus e lugares inspiradores que tenho certeza que esses dias contaram como qualquer outro dia sentada na frente do computador lendo e digitando; e às minhas amigas Raiane, Nathália e Luana, que opinaram e me apoiaram ao longo de todo o ano. Glifo por glifo: Escrever e Pensar sobre Design foi um livro bem-sucedido (dentro dos meus parâmetros!), que foi comprado nos sentidos literal e figurativo pelo público antes mesmo de estar finalizado. Isso me orgulha, mas só foi possível com a contribuição de cada uma dessas pessoas. Não foram só favores, foi trabalho :) Espero que essa edição possa ajudar alguém e devolva um pouquinho desse amor pro universo.obrigada por ler até aqui! eu acho que é isso, você acha que esqueci de mencionar algum aspecto importante? quer que eu aprofunde algum desses temas? fique a vontade para responder esse e-mail — eu espero que esse seja sempre um espaço de troca. e se você acha que alguém que você conhece gostaria dessa edição, compartilhe :)
Muito obrigado por essa publicação 💙
Ótima edição! Já tou espalhando por aí e salvando pra me ajudar tbm 📖