hello, stranger! seja bem-vinde a mais uma edição da makers gonna make. pra quem não sabe ou é novo por aqui, eu sou hele carmona; sou jornalista e estudante de design. a newsletter está em hiato há alguns meses porque estou trabalhando no meu tcc, e justamente desse processo surgiu um texto que senti vontade de compartilhar :) afinal, por que é que eu escrevo sobre design? e por que designers deviam escrever mais?
✍️ escrita & prática projetual
Story time: para o meu trabalho de conclusão de curso em Design na Esdi/Uerj estou elaborando um livreto de exercícios — ou workbook, como eu prefiro chamar — de escrita, desenvolvido com foco em designers e profissionais criativos adjacentes (hehe).
Escrever com frequência me faz pensar sobre design com frequência. Isso transformou completamente a minha prática, minha relação com meu trabalho (e minhas relações de trabalho) e até a minha autoestima intelectual. Mas eu sei (porque colegas compartilham isso comigo o tempo todo) que a maioria dos designers se sente intimidado pela escrita, e eu quero ajudar meus colegas de área a escreverem melhor, glifo por glifo.
É um trabalho desafiador, mas combina duas coisas que amo: diagramar livrinhos e dar ordens. Brincadeira. Meu livreto de exercícios une design e escrita, e de uma forma prática, o que eu acredito que pode ser mais interessante do que os incontáveis manuais de escrita já disponíveis por aí. Ele ainda está em desenvolvimento, mas decidi compartilhar um pouco do processo por aqui. Começando pelo mais importante…
🗒️ por que designers devem escrever?
A escrita pode tornar a prática projetual mais crítica entre designers. Mas por que? Outros exercícios podem ser propostos e explorados, tenho certeza; no entanto, há uma série de argumentos em favor da prática da escrita.
De forma mais geral, pode-se dizer que a escrita é um método de aprendizagem em si mesma. Em Writing as a mode of Learning, Janet Emig defende que a escrita é “útil ao aprendizado de maneira única” porque possui atributos específicos correspondentes a certas estratégias de aprendizagem significativas. No processo de desenvolvimento intelectual, os indivíduos dispõem de três formas de processamento e representação de informações: ativa (manuseio e ação), icônica (organização perceptiva e imagens), e simbólica (uso de símbolos). Para Janet, ao escrever, estamos nos valendo das três formas de assimilação:
“O que é surpreendente na escrita como processo é que, pela sua própria natureza, todas as três formas de lidar com a realidade são simultaneamente ou quase simultaneamente implementadas. Isto é, a transformação simbólica da experiência através do sistema de símbolos específico da linguagem verbal é moldada num ícone (o produto gráfico) pela mão ativa. Se a aprendizagem mais eficaz ocorre quando a aprendizagem é reforçada, então a escrita através do seu ciclo de reforço inerente envolvendo mão, olho e cérebro marca um modo multi-representacional excepcionalmente poderoso para a aprendizagem.” (Emig, 1977, p. 124).
A escrita também configura uma poderosa prática reflexiva, uma vez que o produto gráfico do processo de escrita se torna imediatamente visível e portanto disponível para um reescaneamento e revisão por parte daquele que escreve. Por fim, Janet reforça o papel da escrita como uma prática de elaboração do pensamento:
“O meio da linguagem verbal escrita requer o estabelecimento de conexões e relacionamentos sistemáticos. A escrita clara, por definição, é aquela escrita que sinaliza sem ambiguidade a natureza das relações conceituais, sejam elas coordenadas, subordinadas, superordenadas, causais ou outras.” (Emig, 1977, p. 126).
Natalia Ilyin parte do mesmo princípio — de que a escrita clara é o produto de pensamento claro — em sua argumentação a favor da escrita no livro Writing for the Design Mind. Para defender a ideia de que “a escrita é o pensamento organizado colocado sobre a página”, ela escreve:
“Se você consegue escrever exatamente o que quer dizer, terá vantagem sobre aqueles que não conseguem. Escrever bem significa que você sabe como estruturar seus pensamentos, escolher suas palavras e levar as pessoas consigo para suas ideias. (...) Muitas pessoas passam a vida sem conseguir definir os pensamentos por si mesmas. Como não aprenderam como fazê-lo, não têm escolha senão deixar o pensamento claro para os outros. Como não conseguem argumentar ou persuadir ao escrever, abdicam do seu poder verbal. Quando você aprende a escrever bem, você entra na vida mais profundamente, porque pode refletir sobre um problema, expor um ponto de vista, traçar uma experiência, inventar um mundo – e comunicá-lo.” (Ilyin, 2019, p. XX).
É possível citar ainda outros motivos, mais diretos e menos interessantes, pelos quais a prática da escrita pode ser útil à classe de designers e profissões adjacentes. Em particular, se um designer escolhe exercer sua profissão de forma autônoma, ele terá de escrever propostas para clientes, briefings para colaboradores e até eventuais artigos em revistas ou blogs especializados; além de ser desejável que se comunique bem verbalmente, de maneira geral.
💔 por que designers não escrevem?
Muitos designers apresentam uma resistência a se expressar através da linguagem verbal escrita. Isso vem da percepção de que escrever deve ser fácil (afinal, não somos alfabetizados? Isso não deveria bastar?), e então, diante das primeiras dificuldades para escrever, o indivíduo se frustra e assume que não foi feito para isso. Também podemos atribuir essa resistência a uma crença rasa de que designers são “seres visuais” e que, de alguma forma, ser visual se opõe a ser verbal, tornando designers inerentemente inaptos à escrita.
ei, aproveitando que você está aqui: se você é designer, consegue tirar alguns minutinhos para responder uma pesquisa no google forms sobre design e escrita? vai me ajudar a seguir com o trabalho :)
No livro “Inspiring Writing in Art and Design – Taking a Line for a Write”, Pat Francis explora alguns dos principais motivos pelos quais estudantes de cursos de Artes e Design sentem dificuldade de escrever, seja em relação a requerimentos acadêmicos ou como ferramenta de reflexão pessoal. Contra a ideia de que escrever deveria ser fácil, ela argumenta:
'“Não escrevemos instantaneamente de forma profunda e reflexiva; temos que construir gradualmente. Knight e Yorke argumentam que “a aprendizagem complexa é quase invariavelmente uma aprendizagem lenta, demorando mais para crescer do que dura a maioria dos módulos”. Assim, a escrita deve fazer parte do processo contínuo: não presa às partes, mas percorrendo o todo.” (Francis, 2009, p. 21).
Em Writing for the Design Mind, Natalia Ilyin reforça que começar a escrever pode ser intimidador e difícil, mas é justamente por isso que não se deve interromper a prática da escrita; a habilidade de escrever, assim como qualquer outra, deve ser exercitada com frequência e alguma dedicação para que seja bem executada.
“Nunca entenderei por que as pessoas presumem que deveriam ser capazes de escrever como Michael Bierut, Gail Anderson ou Kenneth FitzGerald na primeira vez que escrevem alguma coisa. Esses designers conhecidos praticam sua escrita há muito, muito tempo. Seus primeiros esforços foram provavelmente rígidos, prolixos e monótonos. Mas eles continuaram praticando, seguiram em frente e se tornaram escritores maravilhosos.” (Ilyin, 2019, p. XXI).
Nos resta, então, desbancar o argumento de que designers seriam seres visuais, cujo raciocínio lógico é incompatível com a elaboração verbal. Nesse ponto, Pat e Natalia têm abordagens diferentes. Ambas as autoras escreveram livros que têm como principal objetivo instruir e inspirar a escrita entre designers (Inspiring Writing in Art and Design – Taking a Line for a Write e Writing for the Design Mind, respectivamente), mas argumentam de formas distintas.
Pat Francis se baseia na matriz de Riding e Rayner de estilos cognitivos, que opõe em um espectro a aprendizagem através da linguagem verbal e a aprendizagem através das imagens. Partindo da ideia de que há uma distância entre os estilos cognitivos, a autora opta por alternar entre eles em seu livro, além de incorporar exercícios considerados mais visuais em suas propostas de exercícios de escrita.
“Esboçar e rabiscar na escrita, não apenas no trabalho visual, e encontrar metáforas visuais para ideias, algo que é proposto ao longo deste livro, está relacionado ao extremo visual da escala de Riding e Rayner, enquanto o trabalho em ensaios e dissertações é geralmente visto como puramente pertencente ao reino do verbal. O extremo verbal da escala é muitas vezes a parte assustadora para muitos escritores relutantes/medrosos e, portanto, ao abordar as tarefas a partir da forma preferida de absorver o material [visual], espera-se que as estratégias sejam fortalecidas e todas as áreas de trabalho sejam beneficiadas.” (Francis, 2009, p. 19).
Já Natalia Ilyin desconsidera a ideia de oposição entre os modos de aprendizagem visual e verbal, atribuindo a popularização dessa divisão a uma mera tendência na educação escolar há algumas décadas; e argumenta que embora existam estilos cognitivos diversos, a afinidade com um não pode significar completa inaptidão em relação ao outro:
“Acontece que “criaturas visuais” têm muito mais em comum com escritores, físicos teóricos e engenheiros do que muitas pessoas poderiam imaginar. O pensamento sistêmico, uma área de exploração nas ciências e nas humanidades, é mais eficaz para descrever a mente criativa do que abordagens de tudo ou nada, preto e branco. Artistas, designers e escritores possuem mentes afinadas para reconhecer padrões e criar sistemas de significado, e eles entendem esses sistemas de muitas das mesmas maneiras que engenheiros e físicos. Se você é atraído por ser um designer, é provável que tenha uma afinidade pelo pensamento sistêmico e, sem perceber, tenha passado sua vida treinando sua mente para aproveitar essa afinidade. (...)
Descrever pessoas como inadequadas para um tipo particular de pensamento desvaloriza elas e suas contribuições para a cultura.”
(Ilyin, 2019, p. XXIII).
Seja qual for a abordagem preferida — entender aprendizagem visual e verbal como distintas e opostas, mas se propor a misturá-las; ou então desconsiderar tal oposição — não há um motivo pelo qual a inclinação aos processos criativos visuais deva impedir que se tenha resultados satisfatórios em processos criativos verbais.
💭 ok, mas o que designers podem escrever?
Essa é uma ótima discussão, mas não cabe nesse e-mail. Pensei em compartilhar mais sobre a minha pesquisa e o workbook conforme o projeto vai tomando forma. Me diz o que acha?
obrigada por ler até aqui! fique a vontade para responder esse e-mail. espero que esse possa sempre ser um espaço de troca. se você é designer, por favor tire alguns minutinhos para responder minha pesquisa sobre design e escrita, vai ajudar demais no andamento do meu trabalho. e se você conhece alguém que pode curtir esse texto, que tal compartilhar essa edição? :)
Mulher, eu quero é ler seu TCC todinho!
Obrigada por essa news!
Nunca tinha me atentado ao fato de que designers não são escritores, e agora tenho um loft alugado na minha cabeça.
Eu sou designer, e uma das coisas que mais me auxilia no processo de criação é a verbalização da estrutura. Eu tenho a escrita, a fotografia, o desenho em midia tradicional (rascunho em papel mesmo) como partes integrais da minha rotina de transformação de ideias.
Talvez a escrita geral seja uma fronteira porque a leitura é uma fronteira cultural brasileira. Isso é meu achismo empírico mas eu conheço muita figurinha carimbada do meio que não é muito fã da literatura ficcional ou técnica.
E as vezes é isso né; os tutoriais e as automações tomaram conta do processo de aprendizado tradicional. Livro de referencia e anuario são agora o behance/dribbble e o youtube.