#74 uma casa organizada ou "guia de como aumentar seu repertório em design"
ou em qualquer outra área, i guess | tempo de leitura: 9 minutos
oie, seja bem-vinde a mais uma edição da makers gonna make :) nas últimas edições eu falei sobre a relação entre design e escrita, a fase de pesquisa e entrevistas do meu tcc e a elaboração do projeto gráfico de Glifo por glifo. hoje vou falar sobre uma das perguntas que mais me fazem: “como você estuda/pesquisa/encontra conteúdos relevantes sobre design?”. não existe uma resposta única, mas tentei cobrir todos os pontos que foram importantes pra mim nos últimos anos: repertório, rotina e organização das ideias. vamos?
🏡 uma casa organizada
Minha mãe sempre trabalhou com arte. Pintura, mosaico, decoupage, crochê, tricô, bordado, honestamente eu não lembro de tudo; hoje ela trabalha com quilting e sempre que perguntam o que ela faz eu digo artista têxtil. O que é verdade. E a minha casa sempre foi cheia de coisas. Temos baús com novelos de lã, um armário cheio de material de pintura, vários armários de tecidos. Agora eu sei o que você está pensando: que minha mãe é uma acumuladora. Mas não.
Tudo que está guardado aqui em casa tem um motivo pra estar guardado: ou é útil ou é especial. Minha mãe tem uma noção espacial impecável. Então quando eu pergunto: “mãe, você tem linha de bordado metalizada?” é claro que sim, e está na terceira gaveta do gaveteiro no ateliê. “Você tem uma vincadeira?”, sim, está num porta lápis dentro da segunda gaveta. “Agulha curva pra encadernação?”, sim, no agulheiro, no gaveteiro da sala, “pincéis?”, sim, ficam no armário do segundo andar, nas prateleiras de cima, perto das tintas acrílicas.
Essa é a única coisa que consigo pensar quando me perguntam como expandir o repertório sobre design (ou qualquer outro assunto). Não basta acumular conhecimento e ferramentas, aprender coisas: é preciso organizá-las de alguma maneira, pra conseguir encontrá-las quando for preciso. Então essa edição será dividida em três tópicos: (1) repertório, (2) rotina e (3) organização das ideias.
Últimas 10 unidades de Glifo por glifo! O livro é fruto da minha pesquisa de TCC une teoria + exercícios práticos que convidam designers e criativos a explorar a escrita livre e autoral :) No Catarse você pode conferir mais informações, como opções para apoiar o projeto, valores e prazos de envio.
📂 repertório
Construção de repertório é algo bem individual. A gente só descobre como gosta de aprender testando, só descobre quais autores gosta depois de ler vários, etc. A ideia aqui é oferecer um ponto de partida se você se sente perdido. Caso você sinta que não precisa desse tipo de recomendação, é só pular pro tópico “rotina”.
1. livros
Gosto de estudar através de livros porque eles têm um tempo mais lento, que nos permite pensar um pouco melhor sobre o que estamos lendo; um silêncio inerente, sem notificações; uma linearidade, sem links pra abrir na metade e se perder.
Se eu tivesse que recomendar um único livro pra alguém que quisesse começar a ler/pesquisar/escrever sobre design, eu recomendaria um livro de história. Quando a gente sabe mais ou menos a ordem e o contexto em que os principais movimentos do design e viradas tecnológicas aconteceram fica bem mais fácil aprofundar uma pesquisa pontual. Meus preferidos são Uma introdução à história do design (Rafael Cardoso, 2008) e Objetos de desejo (Adrian Forty, 2013).
Pra completar as recomendações de livros pra começar, falei com o
do , e da . Eles recomendaram, respectivamente, Inteligência visual (Amy E. Herman, 2016), sobre “como aprimorar nossa capacidade de observar, perceber e comunicar melhor o que vemos”; e Design do Século XX (Charlotte e Peter Fiell, 2005), “que faz um passeio visual completinho pelas peças importantes da história do design gráfico e de produto do século passado”.Numa lista de livros que todo designer gráfico deveria ler, Ellen Lupton recomenda outro livro de história do design: Design gráfico: Uma história concisa (Richard Hollis); além de Elementos do estilo tipográfico (Robert Bringhurst) e outros dez livros, todos com comentários. A lista da
aka Nina Talks na Amazon também é bem legal: ela recomenda os clássicos sobre usabilidade O design do dia a dia (Don Norman, 2006) e Não me Faça Pensar: Atualizado (Steve Krug, 2014), além de outros 36 (!) títulos com foco em UI e UX.2. revistas, blogs e portais
Livros podem ser caros e demandam alguns dias ou semanas pra serem lidos. Se esses fatores são dealbreakers pra você, talvez você goste mais de ler artigos e ensaios, que podem ser bastante aprofundados apesar de mais curtos (algo entre 7 e 20 minutos de leitura) e gratuitos (pelo menos a maioria).
Em português, adoro acompanhar a Revista Recorte e o UX Collective Brasil. Ambas são publicações colaborativas, então publicam textos de vários autores sobre vários temas dentro de Design (tags são suas melhores amigas pra encontrar os artigos que mais te interessam). Também curto o blog da Plau, Entrelinha, e a coluna Objeto de Análise da Gama Revista. Em inglês, costumo dar uma olhada nas publicações do It’s Nice That, Eye on Design e TypeRoom.
3. podcasts
Gosto bastante de podcasts, mas não conheço tantos sobre Design que me agradem (conheço alguns que me desagradam, mas é quase natal, né, não vou ser hater aqui). O Diagrama traz entrevistas com profissionais renomados de várias áreas diferentes pra falar sobre processo criativo e carreira, principalmente. A Rádio Escafandro não é sobre design necessariamente, mas episódios sobre grandes empresas, relações de trabalho e tecnologia sempre me fazem refletir sobre a profissão. São as dicas que posso oferecer. Tem alguma recomendação pra gente?
4. coisas de assistir
Admito, gasto meus olhos lendo letras, não gosto de assistir coisas. Abstract: the art of Design na Netflix é uma série bem legal (apesar de que acho que todo mundo já viu), que em cada episódio apresenta um profissional de uma área diferente. O episódio sobre design gráfico é com a Paula Scher (!). Mais uma vez, se você tem boas recomendações em vídeo, compartilhe nos comentários :)
5. todo o resto
Nada substitui o olhar curioso. Passear, viajar, ir a museus, experimentar novas comidas, assistir filmes ou passar uma tarde olhando todos os seus álbuns de família… Não importa o que estiver fazendo: se você prestar atenção, vai aprender alguma coisa.
⏰ rotina
Aumentar o repertório tem dois pontos, “repertório” e… “aumentar”.
Se você quer saber bastante coisa, não tem jeito, tem que aprender mais, ler mais, estudar mais. É claro que num país que ainda não aboliu a escala 6x1 e em que várias pessoas acumulam mais de um emprego, tempo não é bem uma coisa que sobra. Então é natural pensar que sua rotina não pode comportar algumas horas de estudo. O que se pode fazer?
Eu já peguei horror à expressão “otimização de tempo” — é a “produtização” das rotinas, do lazer, da vida cotidiana. Então evito pensar nas coisas nesses termos. Mas se é isso que você sente que precisa fazer, dá pra andar com um livro na mochila e ler no transporte público (se você der a sorte de sentar), ou ler todas as noites um pouquinho antes de dormir (inclusive ajuda a pegar no sono, hehe). É um processo lento, mas já é alguma coisa. Dá pra ler um artigo no início do expediente, como primeira tarefa do dia. São só alguns minutos e pode até te ajudar a se inspirar. Ou então dá pra ouvir um podcast enquanto caminha até o ponto de ônibus, enquanto lava a louça, até na academia.
Se a sua rotina é um pouco mais tranquila (como é o meu caso — um grande privilégio), eu recomendo testar inserir blocos de estudo na sua semana. Nesse ano, como estou escrevendo o meu TCC, tento tirar 1h por dia pelo menos duas vezes na semana só pra estudar. Com estudar eu quero dizer estudar mesmo, e não fazer pesquisa para uma tarefa de trabalho ou entrega da faculdade; apenas estudar algo que você quer estudar. Com o tempo dá pra ir aumentando esse tempo e realmente vira um hábito. Pra mim foi transformador :)
🗂️ organização das ideias
Não adianta ter as coisas em casa se você não consegue encontrar o que precisa.
Ou seja: além de aprender, você precisa aprender a organizar as informações. Há muitas formas de fazer isso: anotações em papel, um Notion, um Obsidian... A forma é menos importante do que o conteúdo.
Desventuras em série foi a primeira saga que eu li completa. A narrativa acompanha três órfãos muito inteligentes … lutando contra o mal … me perdi um pouco, o plot não é relevante. Mas meu ponto: alguns personagens da saga têm um Livro de lugar comum (no original, Commonplace books). Um caderninho onde anotam informações relevantes pra consulta no futuro. Anos depois de ler a coleção, eu descobri que essa é uma técnica que existe desde a Antiguidade; Leonardo da Vinci, John Locke, Charles Darwin e Virginia Woolf são alguns dos muitos intelectuais ao longo da história que mantiveram livros de lugar-comum.
“Livros de lugar-comum são uma maneira de compilar conhecimento, geralmente escrevendo informações em cadernos. Eles são mantidos desde a antiguidade, particularmente durante o Renascimento e no século XIX. São semelhantes a álbuns de recortes cheios de itens de vários tipos: notas, provérbios, adágios, aforismos, máximas, citações, cartas, poemas, tabelas de pesos e medidas, orações, fórmulas legais e receitas. As anotações são frequentemente organizadas por assunto e diferem funcionalmente de diários, que são cronológicos e introspectivos.”
Até hoje tomar notas manualmente em cadernos foi a melhor forma que eu encontrei de organizar o que aprendo. Eu sou do tipo que carrega o caderninho pra cima e pra baixo e registro as ideias na hora que penso nelas; quando estou sem o caderninho, anoto no celular mesmo. Também vale registrar depois, refletindo um pouco mais sobre o que você viu ou leu. Você vai encontrar a sua melhor forma de fazer isso com o tempo e a prática.
Anotações digitais têm a grande vantagem da indexação por temas e da consulta por termos (queria poder dar ctrl + f no meu Cícero). O que importa não é o ato de escrever por si só, e sim o trabalho intelectual que temos ao formular e organizar uma anotação sobre um tema; é por isso que mídias diferentes funcionam.
Eu fico surpresa com a quantidade de coisas que consigo me lembrar só por ter lido e anotado. Quando não lembro exatamente, consigo lembrar pelo menos em qual livro estava a informação que eu preciso. Isso definitivamente me ajuda quando quero escrever sobre qualquer tema: não preciso encontrar tudo do zero, posso contar com o que eu venho guardando e organizando na cabeça (e no papel).
Não é preciso se lembrar de tudo, mas é útil construir seu próprio mapa, um sistema de organização que te permita ir puxando o fio de volta até aquilo que você aprendeu.
Em Glifo por glifo eu falo sobre a importância de ler e manter registros sobre suas experiências enquanto designer. Que tal saber mais sobre o workbook?
Por fim, eu acredito que um pouco de repetição faz bem pra manter essa organização. Minha mãe sabe onde está cada coisa na casa porque ela mora aqui, ela abre os armários e os baús com alguma frequência e vê as coisas e registra novamente onde elas estão. Eu já li “Uma Introdução à História do Design” de Rafael Cardoso três vezes. “O mundo codificado” de Flusser também três vezes. “Pensar com tipos” da Ellen Lupton, duas. E se eu precisar de alguma informação em qualquer um desses, provavelmente vou reler todo o capítulo em que ela está contida só pra ter certeza. É assim que nos lembramos aonde guardamos as coisas, abrindo os armários da cabeça às vezes pra dar uma olhada.
obrigada por ler até aqui! o que você achou dessa edição? quer acrescentar alguma coisa? fique a vontade para responder esse e-mail — eu espero que esse seja sempre um espaço de troca. e se você acha que alguém que você conhece gostaria dessa edição, compartilhe :)
deixei pra ler essa edição num momento com calma e ele finalmente chegou kkkk amei as indicações! no coisas pra assistir, tem o doc Helvetica, que nunca consegui terminar porque não encontro pra baixar legendado. Também não tem em streamings no Brasil :( se vc tiver o arquivo por aí ou conhecer alguém que tenha, pode dar um alô?
Adorei a news 🥹 de podcast tbm indico o Não Obstante, do Marcos Beccari e do Daniel B Portugal, não tem mais eps novos, mas o que tem é bom ✨