#29 os vitrais que deram luz à Brasília
Oscar Niemeyer comparou um deles "às monumentais obras da Renascença" | Tempo de leitura: 4 minutos
todo mundo já sabe o que aconteceu em Brasília no dia 8 de janeiro de 2023, então eu não preciso repetir. mas fiquei chocada ao descobrir, através do Woman on Walls, que o vitral “Araguaia” de Marianne Peretti foi danificado. o vitral é parte da obra que a artista produziu para a cidade ao longo de muitos anos, responsável por “dar luz” ao projeto arquitetônico da capital. achei que falar da contribuição da vitralista para Brasília - presente em diversos edifícios oficiais - valia uma edição no “história das coisas”. vamos?
💠 Os vitrais e seu papel no projeto da capital
A ideia de ter vitrais gigantescos iluminando diversos edifícios oficiais foi de Oscar Niemeyer, mas só porque Marianne era uma mulher ousada. Em uma entrevista ao G1, ela contou que admirava o trabalho do arquiteto e um dia literalmente bateu em sua porta e pediu para trabalhar com ele. Quando foi o orientador arquitetural da soon-to-be capital nacional, ele convidou a vitralista para produzir obras de arte que dariam “luz” aos principais monumentos da cidade. “Ele deve ter gostado muito de mim, porque já me deu um monte de trabalho, todos de Brasília”, ela contou.
Ao todo, Marianne trabalhou em seis edifícios ao longo de duas décadas, dos anos 1970 até 1990: Catedral de Brasília, Panteão da Pátria, Palácio do Jaburu, Superior Tribunal de Justiça, Câmara dos Deputados e o Memorial JK; além de outras obras e painéis.
Tive afinal o prazer, depois de tanto tempo, de conhecer pessoalmente a artista que soube tão bem “dar à luz” o interior da Catedral de Brasília, problema difícil que somente uma alma como a sua e um saber como o seu seriam capazes de resolver. Em nome da cidade, o inventor dela agradece a você. - Lucio Costa sobre Marianne1
💎 O que os “vitrais dos trópicos” têm de especial?
“Eu pintava. Teve uma hora que deixei a arte de lado, mas não vi que não dava.(…) Fazia vitrines de joias da H. Stern, tinha que montar tudo direitinho, harmonizar as peças e criar. Logo comecei a fazer as vitrines para toda a rede. Mudei de emprego depois, criava estandes para exposições. Foi aí que comecei a ter contato com coisas grandes. Eu amei.” - Marianne sobre sua trajetória
De acordo a pesquisadora Véronique David, do Centro Andre Chastel - referência mundial em vitrais - o trabalho de Marianne rompe com a lógica medieval dos vitrais. Em relação à própria composição dos vitrais, Marianne escolheu não usar desenhos religiosos para uma catedral. Escolheu formas que, segundo a própria artista, não significam nada. E em relação ao seu efeito no ambiente, enquanto o vitral europeu é usado para reluzir em um ambiente escuro, no trabalho de Marianne o reflexo da luz faz com que as formas “continuem projetadas, como se a obra não acabasse ao fim do esqueleto de ferro”.
Sua obra trouxe ao projeto arquitetônico da cidade leveza e transparência, mas também grandeza; uma grandeza que a própria Marianne afirma que não estaria lá se não fossem os seus vitrais.
📜 Legado e descaso
Apesar de Marianne ser reconhecida como a mais importante vitralista da contemporaneidade, sua obra nem sempre é tratada com o respeito que merece. Em 2016 a obra Alumbramento, doada por ela em 1978 para o Senado Federal, foi encontrada desmontada, esquecida e danificada, abandonada em um depósito desde os anos 1990. Após a denúncia, uma empresa de produção cultural privada ficou responsável por sua restauração.
E em janeiro desse ano, o painel “Araguaia” foi vandalizado por terroristas durante ataques ao Congresso Nacional. Não tenho nem palavras pra comentar um mal tão grande, mas ainda é chocante ver o descaso das pessoas e das instituições com um trabalho tão grandioso.
Em 2015, foi lançado o livro Marianne Peretti: a Ousadia da Invenção, sobre sua trajetória e obra. Marianne faleceu em 25 de abril de 2022, aos 94 anos. Sua obra é eterna :)
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essa foi o mais uma edição da série "história das coisas", que sai toda última terça-feira do mês falando sobre alguma coisa no mundo do design - como surgiu, quem criou, porque importa e etc. o que você acha? fique a vontade para responder esse e-mail se quiser conversar, compartilhar algo ou até mesmo criticar algum ponto da newsletter. espero que esse possa sempre ser um espaço de troca.
até a próxima terça!
- hele
Em um curso do MAM, o professor me falou que nada de novo é criado apartir do século 20. simplesmenente esgotamos a fonte de novas criacões. Porém, apartir disso, criamos novas leituras de coisas que já existem, das formas mais fantásticas que existem. Por exemplo a maneira como Marianne usa uma técnica medieval, para criar algo super especial e novo, até trás uma nova abordagem, dos vitrais não servivem só para iluminar um interior, mas expandir a existência da obra, saindo da estrutura de ferro, e indo até a extenção das sombras. muito legal.
Fui uma vez pra Brasília e lembro que fiquei impactada pelos vitrais da Catedral - muito mais que a própria construção, parecia que era ela que a sustentava, de alguma forma. Conheci a obra sem saber da autora, então fico feliz de preencher a lacuna. Essa proposta de pensar o vitral de forma não-religiosa ou não tradicional é incrível, não à toa você sente, não só vê, que é algo diferente. Amei a edição <3