#27 design & política but make it evil
um contraponto à última edição | tempo de leitura: 5 minutos
na semana passada, falamos sobre como o design ainda é uma forma válida de manifestação social, mesmo no ambiente online, que sempre parece tão insensível; e também sobre como o próprio ato de projetar é inerentemente político: “todo design serve ou subverte o status quo”, nas palavras de Tony Fry, filósofo e educador. hoje quero trazer dois textos que fazem um contraponto: a “manifestação” através do design pode ser inútil, e pior, o design pode ser utilizado para a desmobilização dos movimentos sociais. espero não estar soando alarmista - mas como esse é um espaço de reflexão, precisamos compreender essas nuances. vamos?
💭 para refletir
Ainda existe design(er) ativista?
Não faltam debates sobre o que é design. Longe de querer esgotar a questão, acho justo estabelecer, pelo menos para a edição de hoje, que o design é um meio, uma ferramenta. Embora muitas vezes definido por aquilo que produz - design gráfico, design de produto, design de moda, etc - o design está no projetar, no processo mais do que no resultado. Pensando assim, esse resultado - o fim - é variável e até mesmo livre, e depende da intenção de quem o projeta.
Se o designer decidir criar uma obra ativista, isso é suficiente para que sua obra seja, de fato, ativista?
“A criação de peças gráficas com mensagens políticas é, por si só, um design ativista?” (…) Primeiro, descartemos a resposta mais tosca: invalidar toda expressão nas redes sociais como “ativismo de sofá” e, portanto, inútil. Achar que a solução é, simplesmente, “sair” dessas plataformas e fazer as coisas no “mundo real” é demonstrar incapacidade para contemplar como se dão os fenômenos de comunicação hoje. - Eduardo Souza para a Revista Recorte
Na edição passada (uma rerun da edição 5), falei sobre como a criação de peças gráficas sempre foi relevante para os contextos de caos político e social. Disse que sim, essas mensagens visuais podem ser relevantes: vai dizer que as capas do jornal dos Panteras Negras não foram relevantes? Os cartazes do Ateliê Popular na França em maio de 1968? Bom, é claro que foram. E eu fui simplista ao comparar qualquer manifestação gráfica-política atual com esses movimentos.
Acontece que, como aponta Eduardo Souza em seu artigo “Ainda existe design(er) ativista?”, nesses contextos as pessoas que produziam as obras gráficas estavam próximas da luta e da atuação direta. Isso é fundamental para que sejam consideradas, efetivamente, ativistas.
E desde então, duas coisas foram contribuindo gradativamente para um esvaziamento de sentido de manifestações visuais: a cultura de consumo pós-segunda guerra e, mais recentemente, a economia do eu. As pessoas se importam de parecer engajadas, em comprar as coisas certas e mostrar nas redes sociais que elas se importam - mas enquanto a criação de “mensagens” for separada da atuação e organização política, elas não são reais. Leia o artigo completo:
Eduardo Souza escreveu “Ainda existe design(er) ativista?” em resposta ao texto de Rafael Bessa, que também vale a leitura: Designers ou Militantes Organizados?
💭 para refletir mais
O design a serviço da desmobilização de movimentos sociais
Qual é o papel do design nas diversas disputas de narrativas que temos hoje? Será que sempre foi uma ferramenta a favor dos movimentos sociais?
Ao ler sobre design e ativismo, é muito comum encontrar pontos de vista sobre como o design pode impulsionar as reivindicações de grupos marginalizados. Mas fala-se relativamente pouco sobre como o design pode ser uma ferramenta do outro lado, com o objetivo de desmobilizar ações populares.
Em seu texto De Fred Hampton a Paulo Galo: o design a serviço da desmobilização de movimentos sociais, Gus Kondo traça um paralelo entre a atuação do FBI entre 1956 e 1971 contra o movimento dos Panteras Negras, nos estados unidos, e a atuação da empresa iFood para desmobilizar os atos e reivindicações de entregadores da rede, que envolveu a contratação de agências de publicidade para a criação de memes, páginas e perfis falsos nas redes sociais e até mesmo a infiltração em manifestações. Em diversos pontos, Gus escancara como os signos visuais são parte importante nas tentativas de desmobilização.
No caso dos Panteras Negras, Emory Douglas
“conta que agentes do FBI entravam nas gráficas parceiras do jornal para ler as edições antes de serem publicadas e que era comum que a polícia forjasse cartas e outros documentos – replicando a linguagem visual e imitando o papel timbrado utilizado pelos Panteras Negras – para causar problemas com a população e ameaçar comerciantes locais em nome do partido.”
Já nas ações do iFood contra o movimento dos entregadores,
“esses memes [falsos] eram, na verdade, peças de propaganda cuidadosamente elaboradas: eles tinham um briefing, passavam por rodadas de apresentações, revisões de texto e refinamento de conteúdo até serem aprovados e compartilhados nas redes sociais.”
O texto completo vale a leitura na íntegra:
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obrigada por chegar até aqui :) sei que essa foi uma edição mais “cabeça”, mas acho importante mesclar temas mais divertidos, como cartazes de filmes e design bioinspirado com temas considerados mais densos - afinal, são todas formas válidas de pensar sobre design. e você, o que acha? fique a vontade para responder esse e-mail se quiser conversar, compartilhar algo ou até mesmo criticar algum ponto da newsletter. espero que esse possa sempre ser um espaço de troca.
p.s.: a edição de hoje teve dobradinha da revista recorte, uma das minhas publicações preferidas sobre design.
até a próxima terça!
- hele