#19 o problema com a pantone
ou "pessoalmente eu acho errado existir um monopólio sobre CORES" | tempo de leitura: 8 minutos
na última sexta, dia 2, a pantone anunciou a cor do ano 2023: Viva Magenta. bom, e daí? prepare-se pra ver uma aumento de 347% de objetos produzidos na cor magenta ano que vem, eu acho (dados inventados na minha mente). mas por que isso importa? o que a pantone sabe que você não sabe pra dizer qual é a cor do ano, e por que é que desde o mês passado quem quiser usar cores pantone em qualquer programa da adobe precisa pagar um valor extra? agora precisa pagar pra usar uma cor? sim, é bem por aí. eu comecei a me perguntar essas coisas e daí surgiu essa edição. vamos?
💭 para refletir
Um monopólio sobre as cores
Por que a Pantone é tão importante? Se você é um dos leitores dessa newsletter que não é designer, talvez você nem tenha certeza do que é Pantone. Então aqui vai um resumo: em algum momento da história, um cliente chegava pra um designer e dizia: “eu quero um anúncio amarelo”. Bom, que amarelo? Sei lá, amarelo escuro. Tá, mas o quão escuro? Tem zilhões de amarelos no mundo. Como saber qual ele quer? A solução foi criar catálogos com inúmeras amostras de cores e se comunicar através deles: “eu quero esse amarelo aqui”.
Daria pra fazer isso com o sistema CMYK, que surgiu provavelmente nos anos 1940, de acordo com esse artigo. Amarelo escuro? Não, melhor chamar de C0 M30 Y100 K0. Daria pra fazer, mas ninguém fez, quem fez foi a Pantone. Ela criou um sistema baseado em 14 pigmentos base1, onde a tinta era misturada antes de ir para a impressora, o que garantia muito mais precisão no tom (é por isso que, até hoje, cada tom Pantone precisa ser impresso sozinho, porque é uma tinta só). E aí criou seu próprio catálogo, que no início tinha só uns 40 tons2, com um objetivo: garantir a uniformidade das cores em mídias e superfícies diferentes. Nos anos 1970, o catálogo já tinha vendido mais de 100 mil cópias, e a Pantone deixou de ser uma empresa de impressão pra ser uma empresa que cataloga cores.
Com a passagem do tempo e o deslocamento dos espaços de criação para telas de computadores, esse sistema de gerenciamento foi ficando mais necessário. A importância da Pantone não está nas cores em si, mas no gigantesco sistema de compatibilidade, alimentado por mais de 60 anos, que é capaz de te dar a “fórmula” de uma cor em qualquer superfície: telas, papel, tecidos, etc. Hoje o guia de fórmulas da Pantone tem mais de 1.800 tons, e o vago amarelo escuro pode ser o tom 116 C.
Pesquisando pra escrever essa edição, esbarrei em uma matéria escrita em 2002 - Living Color, na Wired - que critica o monopólio que surgiu a partir daí: a Pantone não é dona das cores, mas controla a forma que nos referimos a elas, o que é quase a mesma coisa. No mês passado a Pantone anunciou que quem quiser usar suas cores em qualquer programa da Adobe vai ter que pagar uma taxa extra por isso. E o que acontece se você não pagar? As cores no seu arquivo somem, são substituídas por preto. Então vamos dizer que um designer ou artista está há 10 anos criando suas peças com cores Pantone: se ele não paga a taxa, puff, seus arquivos originais não são mais seus. (É claro que a Adobe, outra empresa com um monopólio no mundo do design, tem sua parcela de culpa. Mas isso fica pra outra edição hahah).
E esse movimento não é uma questão isolada: até o final de 2021, apesar de um catálogo Pantone custar mais de 1.500 reais, dava pra acessar as amostras no site pelo Pantone Color Finder. É claro que não era a mesma coisa que ter o catálogo, mas já ajudava muito. Dava inclusive pra ver as cores mais próximas em RGB, hex e CMYK.
Mas aí em dezembro de 2021 eles mataram o Color Finder e lançaram o Pantone Connect, que é a mesma coisa, só que pago. Ou seja, não tem mais um jeito gratuito de acessar o código de uma cor Pantone, e a essa altura basicamente o mercado todo precisa desse acesso. Então… é isso, a Pantone meio que privatizou as cores.
Ok, mas e as cores do ano? Como eles decidem qual é, e por que os designers obedecem? Não sabemos. A cor do ano é escolhida por especialistas, e não importa como, porque a Pantone é a maior autoridade em cores que temos. A mesma matéria de vinte anos atrás da Wired já dizia:
“A Pantone está polindo sua imagem como uma autoridade em cores justamente quando a autoridade é o que os grandes designers procuram. Em essência, essa confiança nas cores é o que a Pantone sempre forneceu. Primeiro, a garantia de que o azul que você deseja é o azul que você obterá. Agora, uma maneira de justificar as decisões para as equipes de gerenciamento que não querem assinar uma linha de roupas roxas apenas porque o chefe de design está "curtindo roxo".”
Os executivos da Pantone responsáveis por escolher a Cor do Ano podem argumentar que estudaram a psicologia das cores, o momento social global, a economia e o que for. Mas o fato é que o buzz que eles geram somado com a autoridade da empresa faz com que designers e outros negócios acatem a escolha, produzindo artefatos naquela cor. Afinal, é a cor do ano. E aí é uma profecia autocumprida: todo mundo que acreditar que Viva Magenta é a cor de 2023 vai tornar Viva Magenta a cor de 2023.
Quer compartilhar um pedacinho do texto nos seus stories? Escolha entre um trecho mais longo ou um trecho mais curto, porém impactante. É só salvar e compartilhar :) E se quiser, pode me marcar: meu @ é helecarmona em todas as redes!
💌 apoie a makers gonna make
Eu escrevo a makers por amor, é verdade. Mas para manter a produção de textos semanal e explorar novos formatos, como materiais impressos e entrevistas com outros designers, seu apoio pode ser essencial :)
Contribua através do apoia.se e receba de presente a primeira edição da zine makers gonna make, além de um e-mail extra mensal com todas as referências incríveis que ficaram de fora das edições regulares. Tá tudo bem explicadinho por lá:
❤️ para se inspirar
Stuart Semple e o ativismo pela liberação das cores
Eu juro que essa história é meio engraçada. O print é do CultureHustle.com e diz “Como todos os sites hoje em dia, este usa cookies para garantir que você obtenha a melhor experiência, incluindo publicidade personalizada. Por favor, diga-nos que você concorda com isso - E confirme que você não é Anish Kapoor” e no botão: “Não sou Anish Kapoor e estou feliz com Cookies“.
Cookies, sim, ok - mas quem é Anish Kapoor e por que ele é banido do CultureHustle? Por causa de uma cor chamada Vantablack. Desenvolvida pelo laboratório inglês NanoSystem, é a tinta preta mais preta do mundo, absorvendo 99,9% dos raios de luz. Em 2016, o artista Anish Kapoor comprou os direitos para usar a tinta, essencialmente proibindo qualquer outro artista de usar. Em resposta, Stuart Temple, o criador do CultureHustle, criou um crowdfunding para financiar a produção da tinta Black 3.0, um preto quase tão preto, que absorve 99% dos raios de luz e pode ser comprado e usado por qualquer um - menos Kapoor.
Semple é um ativista pela liberação das cores. Ele detesta Kapoor e se refere a ele como seu maior inimigo desde que ele tentou comprar os direitos de uso do rosa mais rosa - o Pinkiest Pink, pigmento criado por Semple; porque ele acredita que insumos para arte não podem ser exclusivos de ninguém. Mais recentemente, Semple também fez um movimento contra o monopólio da Pantone: ele liberou o acesso gratuito à biblioteca de cores Freetone.
A Freetone é literalmente o mesmo catálogo da Pantone, mas compatível com o pacote Adobe e sem paywall. O amarelo Freetone 116 C é identico ao Pantone 116 C, então você pode fazer seu trabalho no computador, mandar pra uma gráfica e ter o resultado esperado. Semple disse em uma entrevista ao Hackaday: “Eu gostaria de vê-los tentar e argumentar que eles são os donos [das cores]”. Em um mundo onde tem alguém tentando impedir outras pessoas de usarem certas cores, eu fico com artistas como Semple.
ei, obrigada por chegar até aqui! infelizmente não cabe mais nada nesse e-mail, então sem mensagem de encerramento por hoje. fique a vontade para responder esse e-mail se tiver algum comentário ou sugestão :) espero que esse possa sempre ser um espaço de troca.
- hele
👩🏻💻 curadoria e textos por hele carmona, jornalista & estudante de design
💡 tem algo incrível que você gostaria de compartilhar comigo e com outros leitores da makers gonna make? pode me mandar por aqui!
Muitas informações que encontrei em fontes diferentes não batem. Os artigos linkados na edição são os que escolhi pra me basear.
Esse número também varia: já vi que eram 40, 500, mil tons. Impossível dizer, mas fiquei com 40 porque foi o Ron Potesky, executivo da Pantone, que falou numa matéria da Slate.
Oi Hele, ótimo artigo e achei ótimo que tenha destacado o problema da Pantone.
Gostaria de sublinhar outro problema que soma a questão do monopólio da Pantone, que é o "monopólio da Adobe". De certa forma muitos são convencidos que só é possível ser designer se utilizar os softwares da empresa, ou ainda que há uma qualidade intrínseca em projetos que usam estes softwares. Estes são alguns mitos que a turma do Software Livre tenta combater, mas meu ponto não é esse.
O texto adota o Photoshop (e à Adobe) como referência. Não pretendo discutir o quão aceitos ou usados no mercado, afinal sabemos sobre sua forte adesão. No entanto, que me parece problemático é considerar que são programas acessíveis e livres, quando não são. São programas proprietários, pagos e extremamente problemáticos quanto às suas licenças e sobre como os usuários podem usar ou não os programas.
Você destacou muito bem a "liberdade" que a Adobe se concede em alterar o software sem o consentimento dos usuários. Nesse caso, como o acordo com a Pantone mudou, a Adobe removeu o suporte as cores. Os prejudicados aqui são os profissionais que compram o programa e tem seus trabalhos criativos alterados pelo software sem sua autorização.
Nessa mesma linha podemos observar que recorrentes abusos na forma como a Adobe estabelece suas licenças e como os direitos de usuários são prejudicados. Um profissional que tenha comprado um programa da empresa no passado e feito a sua arte, não poderá acessar sua arte "antiga" se não tiver o software. O problema é quando não há mais suporte à versão antiga e você não consegue instalar em uma máquina nova, por exemplo.
Outro problema é quando a Adobe oferece licenças estudantis, mas impede que os usuários usem os programas profissionalmente. Ou seja, ela dita como o programa deve ser usado, independente do estudante estar pagando, não pode fazer o uso que lhe convém. Para isso, teria que pagar como profissional.
Nesse sentido, sugiro investigar e escrever um pouco mais sobre o tema.
Gostaria muito de ler sua visão sobre o assunto.
Outra sugestão de tema é pensar a alternativa dos softwares livres.
Um grande abraço e parabéns pelo projeto e pelos textos!
Prof. Ricardo
Isso que é artivismo, meu povo. Amei saber sobre essas tretas das cores, nem imaginava!!