#12 gráficos e seus dilemas
Tempo de leitura: 7 minutos | não dá pra simplificar demais assuntos que são complexos sem perder informações importantes. qual o papel da representação gráfica nisso?
Perdeu a edição passada? Leia ‘#11 [especial] tipografia pelo mundo: Japão [2]’
como jornalista, designer e nerd, um gráfico bem feito me dá gosto de ver. é verdade que às vezes temos que lidar com visualizações de dados menos amigáveis, como nas seções de economia e geopolítica dos jornais, que muitas vezes nem nos damos ao trabalho de tentar compreender. mas quando falamos de gráficos com objetivo de comunicar algo, entramos numa área que devia interessar mais aos designers e jornalistas. afinal, o design é uma ferramenta que permite transferir informações para a mente de outras pessoas1. mas sejamos cautelosos: “um gráfico só mostra aquilo que ele mostra, e nada mais”, escreveu Alberto Cairo, especialista em fazer, interpretar e ensinar sobre gráficos. e quem decide o que é mostrado e o que é escondido?
❤️ para se inspirar
Infografia do Nexo para as eleições
Simplificar demais uma situação complexa pode ser prejudicial. Um exemplo disso são os gráficos de intenção de votos que costumamos ver por aí na época das eleições. Esse ano parece que foi pior: o desencontro entre algumas pesquisas do Ipec e do Datafolha e o resultado registrado nas urnas levou muita gente a acusar os institutos de fraude.
É um pouco difícil explicar pra quem pensa assim que pesquisas de intenção são pesquisas de intenção e não uma previsão do futuro, uma visão da Raven. Mas eu acredito que tem algo que contribui pra essa concepção errada: a super-simplificação dos cenários políticos, e principalmente a sua representação gráfica. Jornais na TV mostram: de acordo com o Instituto Tal, Lula tem X pontos percentuais, Bolsonaro tem Y pontos percentuais, margem de erro de 2 pontos, fim. Foi por isso que a infografia do Jornal Nexo para as eleições me chamou a atenção.
Em uma série de gráficos publicados no twitter, o jornal apresentou uma versão menos simples do que o esperado, adequada para representar melhor uma situação extremamente complexa. O gráfico do Nexo apresenta o resultado de pesquisas de diversos institutos e deixa visível - através dos pontos - que, dependendo da metodologia empregada, a intenção de voto para Lula e Bolsonaro se aproxima bastante. E esse foi, de todos os gráficos que eu vi, o que melhor representou o resultado tão acirrado que vimos no dia 2.
É claro que esse não é o gráfico mais fácil de ler do mundo, tanto que ele apresenta uma “colinha” no canto superior direito. Mas é um gráfico corajoso no sentido de que ele é uma tentativa de manter visível a complexidade do assunto que retrata. Além disso, o Nexo disponibiliza um link onde detalha os dados utilizados na confecção do gráfico e a metodologia de representação empregada, uma importante medida de transparência. Veja abaixo um gráfico que mostra a intenção de voto para o segundo turno, da semana passada - foi o mais recente que encontrei antes de fechar essa edição. A representação mostra vantagem, mas não dá a entender que a eleição está ganha, como uma representação simples demais poderia.
E não é só uma questão de incorporar diferentes pesquisas (afinal, eles poderiam apresentar apenas a linha de tendência), mas escolher um sistema visual que expressa, além da tendência reconhecida, a discrepância entre os resultados de cada instituto, a variação do intervalo de confiança e até o tempo restante até a decisão das eleições.
A tão poucos dias do segundo turno, em uma eleição marcada por uma verdadeira guerra de informação, eu acredito que um bom gráfico pode ser uma fonte de inspiração pra qualquer pessoa que trabalha com comunicação, ou sei lá, se importa minimamente com a sociedade.
Além da série de gráficos sobre intenção de voto, o Nexo tem uma seção do jornal dedicada a infografia. Muito do conteúdo é destinado para assinantes (pessoalmente, eu sou assinante, e acho que vale a pena!), mas até o final das eleições muitos dos conteúdos estão com acesso livre. Aproveite pra conferir :)
💭 para refletir
Como os gráficos podem mentir
“Gráficos são sedutores e persuasivos, independente do fato de que muitas pessoas não são capazes de lê-los corretamente.”
- Alberto Cairo, How Charts Lie
E esse é o problema. Gráficos podem mentir - eles não são produzidos para serem vistos, e sim lidos, interpretados. Alberto Cairo, jornalista, designer e professor de visualização de dados escreve muito sobre isso. Em seu livro How Charts Lie (Como os Gráficos Mentem, sem tradução para o português), publicado em 2019, ele fala sobre a desinformação a cerca da visualização de dados: os problemas de compreensão dos leitores, os gráficos mal projetados, gráficos que mostram demais ou de menos, gráficos deliberadamente distorcidos e até gráficos bem-intencionados, mas simplesmente ruins. Ler e projetar gráficos demanda muito mais atenção do que cidadão médio atual está disposto a oferecer.
“Muitos de nós aprendemos na escola que todos os gráficos devem ser dóceis, para que possam ser decodificados com um olhar rápido, mas isso não é realista. (…) Particularmente os que contém mensagens ricas e profundas podem demandar tempo e esforço, que vão compensar se o gráfico for bem projetado. Muitos gráficos não podem ser simples porque as histórias que eles contam não são simples.”, escreve Cairo
Bons leitores de gráficos podem ser designers de gráficos melhores, portanto é muito importante conhecer a linguagem da visualização de dados antes de assumir a responsabilidade de representá-los. E assim como muitos leitores são influenciados pelo viés de confirmação2, designers também precisam se policiar para produzir gráficos adequados. Não existem gráficos corretos ou perfeitos - existem os que melhor representam uma informação inserida em um contexto. É essencial que o designer de gráficos seja capaz de refletir sobre as possíveis interpretações de seu trabalho para evitar criar imagens enganosas.
Minha recomendação de hoje - como já deve ter dado pra notar - é o How Charts Lie, mas como o livro ainda não foi traduzido para o português vou deixar outras duas alternativas. A primeira é a página na Wikipédia3 para Gráficos Enganosos, que explica os diferentes métodos utilizados para distorcer a visualização de dados e levar os leitores a tirar conclusões errôneas. A segunda é esse episódio do podcast Visual+Mente em que o Alberto Cairo é o convidado/entrevistado pouco tempo depois do lançamento do livro, então ele fala bastante sobre suas motivações e o seu trabalho. Mas, se você lê em inglês e ficou curioso, nesse link dá pra ler a introdução do livro How Charts Lie4. Você também pode comprar o livro pela amazon no link abaixo e apoiar a makers indiretamente :)
obrigada por ler até aqui! pessoalmente, eu estou obcecada por gráficos e visualização de dados em geral - pode apostar que eu ainda vou escrever muito sobre isso. e você, já tinha questionado a validade algum gráfico antes? acha que vai questionar mais daqui pra frente? fique a vontade para responder esse e-mail se quiser conversar, compartilhar algo ou até mesmo criticar algum ponto da newsletter. espero que esse possa sempre ser um espaço de troca.
até a próxima terça!
- hele
👩🏻💻 curadoria e textos por hele carmona, jornalista & estudante de design
💡 tem algo incrível que você gostaria de compartilhar comigo e com outros leitores da makers gonna make? pode me mandar por aqui!
Eu podia ter dito isso, mas não disse. Foi uma jovem que eu não sei o nome, que falou com a Ellen Lupton e foi citada no livro Design como Storytelling. O trecho na íntegra é: “Uma jovem veio falar comigo recentemente, depois de uma palestra em Beirute, no Líbano, empolgada para discutir sobre a prática criativa. “O que me empolga no design”, ela disse, “é o potencial de transferir informações para dentro da mente de outra pessoa”.”
Viés de confirmação é a tendência de se lembrar, interpretar ou pesquisar por informações de maneira a confirmar crenças ou hipóteses iniciais.
Essa página também só estava disponível em inglês, mas eu traduzi e publiquei na própria Wikipédia e não no Medium da makers. Eu fiz isso porque eu posso (qualquer um pode editar e publicar na Wikipédia, desde que cite fontes confiáveis e obedeça às diretrizes do site) e porque eu acho que é muito importante que esse tipo de informação seja acessível para qualquer um que pesquisar, e não só para os leitores da newsletter :)
O link é do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, da Universidade do Texas.
Simplesmente amei essa edição! Sua news já entrou nas minhas favoritas, leio toda semana 🥰 vou deixar aqui uma sugestão para uma edição em infografia (acho que conversa bem com essa)