#10 [especial] tipografia pelo mundo: Japão
Tempo de leitura: 6 minutos | como é e como atua a tipografia em um país que não usa o alfabeto latino? eu fui atrás so you don't have to :)
Perdeu a edição passada? Leia ‘quem ama o feio, bonito lhe parece’
tipografia pelo mundo é a primeira série de edições temáticas da makers gonna make :) essa edição surgiu de conversas com amigos que estudam japonês. eu já tinha algumas referências de design gráfico de lá, mas nunca tinha parado pra pensar no quão diferente pode ser a tipografia em um país com um sistema de escrita completamente diferente. descobri muita coisa legal :) vamos lá?
✍️ como funciona o sistema de escrita japonês?
Primeiro, precisamos entender como funciona a linguagem escrita no país. Esse artigo sobre o sistema de escrita japonês (🇬🇧) da pesquisadora francesa Émilie Rigaud foi a minha fonte principal pra isso. A escrita japonesa é composta por quatro1 tipos de caracteres: kanji, hiragana, katakana e, por vezes, o alfabeto latino pode ser incorporado.
Os sinogramas ou kanji foram “importados” da China para corresponder ao idioma japonês, por volta do século VI, e foram evoluindo de uma forma própria dentro do Japão. Esses caracteres designam o conceito da palavra, o significado. Os hiraganas são derivados do kanji, uma espécie de versão cursiva e mais rápida dos caracteres quando escritos à mão. Eles foram desenvolvidos pelas mulheres da corte imperial que eram responsáveis por escrever livros e conectam os kanjis e indicam seu papel gramatical na frase. Os katakanas também vêm do kanji. Eles eram inicialmente fragmentos de kanji usados como abreviações e são usados para palavras criadas a partir de uma língua estrangeira. E o alfabeto latino às vezes é incorporado para escrever siglas ou o título de um livro estrangeiro, por exemplo.
O sentido de leitura também é diferente da nossa: japonês pode ser escrito na vertical ou na horizontal. Na vertical, é lido de cima pra baixo e da direita para a esquerda, e na horizontal é lido da esquerda para a direita. Normalmente livros e jornais são lidos verticalmente, as páginas da internet são lidas horizontalmente e as revistas podem misturar as duas direções.
Se você está achando que são muitos caracteres… você está certo. E você se lembra dos primórdios da tipografia? Ela foi difundida com o desenvolvimento dos tipos gráficos de metal e aperfeiçoamento da prensa tipográficas pelo Gutenberg. Basicamente alinhar letrinhas pra formar páginas e imprimir - por sorte, o alfabeto latino básico tem só 26 letras. Mas o sistema japonês... Imagina a loucura que seria compor com todos os milhares de caracteres.
Foi por isso que entre o século XIX e o XX houve uma reforma no sistema, impulsionada por uma pressão para que o Japão fosse ““moderno”” como outros países. Foi necessário reduzir o número de caracteres: antes, uma sílaba podia ser representada por diferentes hiraganas. Eles decidiram manter apenas um hiragana por sílaba, e o resto deles caiu em desuso, sendo chamados de hentaigramas. Se quiser se aprofundar no assunto, confira o artigo completo (em inglês):
🅰️ uma breve história da tipografia japonesa
Vou pedir licença pra citar diretamente outro artigo da Émilie Rigaud2. Para essa seção, o texto que usei como base foi esse artigo sobre a evolução tecnológica da tipografia no Japão (🇬🇧).
Enquanto na Europa os tipos móveis eram utilizados desde o século XV, já vimos que isso não funcionou no Japão até o final do século XIX. Por isso por muitos séculos o método mais comum era a xilogravura, que usa a madeira como matriz. Cada página de texto podia ser gravada em uma única tábua, sem a necessidade de muitas peças.
Mas com o crescimento da demanda por informação (e no século XIX, isso queria dizer jornais) os tipos móveis de metal se tornaram mais relevantes, porque podiam ser reutilizados - bastava que fossem reordenados e poderiam formar uma nova página, diferente da matriz de madeira. Assim, Motogi Shōzō3, considerado o pai da tipografia no Japão, fundou a Fundição de Tipos Tsukiji em 1873, a primeira do país. Os caracteres tiveram que ser adaptados para a nova tecnologia, o que fez com que suas formas mudassem um pouco, especialmente os hiragamas, de origem cursiva.
Em 1924 surgiu a máquina de fotocomposição, ou phototypesetting. Nesse processo, os tipos são negativos (branco sobre preto) e ficam em um painel de vidro, e uma luz que incide sobre a matriz “imprime” o letreiro em papel fotossensível. A tecnologia foi se desenvolvendo ao longo dos anos e na década de 1970 começou a superar os tipos de metal.
As primeiras fontes digitais surgiram na década de 1970; elas eram em bitmap e utilizadas em wâpuro (processadores de texto japoneses) ou para sinalização eletrônica de trens nas estações. Depois vieram as fontes vetoriais, algumas delas tentando atender à demanda por tipos de letra que funcionassem tanto verticalmente quanto horizontalmente. E assim chegamos nos dias de hoje! Você pode se aprofundar nesse assunto conferindo o artigo original, em inglês:
Mas afinal, quantos caracteres uma fonte projetada para o idioma japonês precisa ter? De acordo com Akira Kobayashi, um importante tipógrafo japonês, pelo menos sete mil. Mas esse é o mínimo - para o Google Fonts incluir uma fonte em sua biblioteca eles estimam que são necessários 23 mil. Ou seja: projetar essas fontes dá muito, muito, muito mais trabalho. Talvez isso explique porque existem tantas fontes projetadas para o alfabeto latino (elas costumam ter menos de 300 caracteres) e muito menos opções para o sistema japonês.
🔠 quais são os estilos tipográficos no Japão?
Por aqui, nós aprendemos sobre alguns estilos: com serifa, sem serifa, manuscrito… e em japonês também existem os estilos principais. Eu encontrei um bom guia sobre os estilos tipográficos japoneses no site NihongoResources.com, um dicionário mega completo.
Estilo Mincho ou Dinastia Ming (明朝)
Essa é a fonte serifada deles, e é o estilo mais utilizado no Japão. Dá pra notar que esse estilo reproduz os traços de um pincel.
Estilo Gótico (ゴシック)
E essa é a sem serifa, o segundo estilo mais utilizado. Não tenta simular pinceladas e tem traços com espessura uniforme.
Estilo Semi-cursivo (行書)
Uma cursiva simplificada, na qual os traços 'fluem' mais. Este estilo é normalmente usado na escrita à mão, como cartas. A primeira das duas imagens mostra uma caligrafia “perfeita”, enquanto a segunda é um estilo muito mais fluido e natural.
Estilo Cursivo
A forma artística de escrita taquigráfica, com caracteres simplificados ou abreviados.
Para conhecer outros estilos além desses, acesse o guia completo:
❤️ para se inspirar
Agora que já entendemos a história e a estrutura da tipografia no Japão, nada mais justo do que conhecer o trabalho de estúdios e designers tipográficos no país, certo?
Mas infelizmente existe um limite de tamanho de e-mails, e eu não vou conseguir colocar aqui. Mas calma! Na terça-feira que vem a edição vai ser só com inspirações incríveis: designers de fontes, especialistas, estúdios com foco em tipografia… É só continuar ligado :)
ufa, obrigada por ler até aqui! eu achei que nunca ia conseguir enviar essa edição dentro do limite de caracteres. confesso que gostaria de ter incluído mais detalhes, mas confia em mim: você pode aprender muito nos links que eu compartilhei. fique a vontade para responder esse e-mail! espero que esse possa sempre ser um espaço de troca.
espero que você volte para a parte 2! até a próxima terça!
- hele
👩🏻💻 curadoria e textos por hele carmona, jornalista & estudante de design
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Na verdade mesmo, seriam cinco, se contarmos os algarismos arábicos, os números. Como o meu artigo base não menciona eles, achei que valia a nota aqui.
O trabalho dela é incrível e você pode ler outros textos sobre tipografia no blog A is for.
Émilie Rigaud também tem um artigo sobre Motogi Shozo.
Gostei muito. Acho muito importante compartilhar conteúdos que vão além de questões do ocidente, obrigado pela ótima edição !
esse era um questionamento que eu já estava tendo há um bom tempo com um amigo: como são as fontes em outros sistemas de escrita?
Obrigado Hele por apresentar esse guia 😅