#9 quem ama o feio, bonito lhe parece
Tempo de leitura: 5 minutos | a tirania da beleza também é a tirania da feiura
Perdeu a edição passada? Leia ‘design, registro & memória’
eu aposto que recentemente a frequência de vezes que você viu algo - um sapato, uma tatuagem, o look de uma influencer - na internet e pensou “nossa, que tenebroso” aumentou de uns tempos pra cá. principalmente com a volta da estética dos anos 2000, confesse: é que os olhos humanos simplesmente não foram treinados pra ver jeans combinados com vestido, e é insuportável. brincadeiras a parte, enquanto alguns classificam tendências feiosas como uma série de “engana trouxas” pra fazer a gente gastar dinheiro aos montes, a adoção de uma estética feia (feia pra quem?) pode ser uma contestação - muito válida - à tirania da beleza.
❤️ para se inspirar
O feio e o imprevisível de Helena Obersteiner
Helena Obersteiner é artista, ilustradora, ex-tatuadora e professora de desenho. Eu conheci o trabalho dela no instagram e é definitivamente uma das criativas que mais amo acompanhar. Ela atua em diversas áreas - já ilustrou livros, teve uma marca de roupas e outra de artefatos de decoração - e sempre de forma autoral e original. Seu estilo único é baseado no imperfeito e no imprevisível.
É claro que o trabalho da Helena Obersteiner é muito criticado, principalmente por pessoas que entendem seu gosto pessoal como um parâmetro universal de qualidade. Pouco tempo depois do lançamento do livro O sonho de um homem ridículo, de Dostoiévski, pela Antofágica, um homem se sentiu a vontade o suficiente para postar um vídeo no youtube comentando o quão feias eram as ilustrações produzidas por ela (e a gente já sabe o nome disso, rs). Mas não ficou por isso mesmo: Helena promoveu um encontro-aula para compartilhar o processo criativo das ilustrações, transformando o julgamento em um espaço de conversa, troca e questionamento.
Como professora, um de seus cursos é justamente denominado “Desenhos Feios”. Pra aprender a desenhar coisas feias? Não. Quer dizer, talvez. Mas principalmente pra aprender a questionar o bonito e o perfeito na produção do desenho.
“De maneira provocativa, o título do curso tensiona concepções dicotômicas em relação ao que é válido ou não na prática do desenho (…). O curso é dividido em dois módulos, desenvolvendo o conceito de observação expandida, trabalhando com lápis e papel. O primeiro é focado em reflexões a respeito do conceito de erro, e o segundo, no aprofundamento da consciência corporal, suas possibilidades de percepção e expressão. Buscamos identificar complexidades e particularidades de cada sujeito, em seu encontro com a turma, em contraposição à ideia de criação como um vetor, e sim como diversas ramificações e possibilidades.”, explica Helena Obersteiner em seu site
💭 para refletir
Uglycore e a bilionária indústria dos sapatos feios
“Existe praticamente um senso de demonstração de superioridade à medida em que os sapatos ficam mais horríveis.
Os Yeezy Foam Runners da Adidas, que custam US$ 80 e parecem marshmallows perfurados, vendem tanto que estão se esgotando. Há chinelos fofos Koolaburra que enfiam seu pé dentro de mini cobertores de pele animal falsa. Os calçados híbridos da Converse, que combinam tênis e galochas, fazem pensar que alguém mergulhou o All-Star clássico, de cano alto, em borracha. A Balenciaga, por algum motivo, pôs saltos altos em Crocs.”
- Kim Bhasin, da Bloomberg
Ao mesmo tempo que o feio pode ser uma ideia a ser (muito custosamente) defendida, ele também é um mercado bilionário. Esse artigo da Bloomberg, também publicado em português no Pipeline, dá um panorama do mercado dos sapatos “uglycore”, uma tendência intensificada pela “ressaca coletiva causada por dois anos em que praticamente ninguém vestiu saltos, escarpins, mocassim, oxfords ou mesmo sapatilhas”.
E não é que alguém acha isso bonito, é que algumas pessoas estão escolhendo o feio deliberadamente, como uma forma de autoafirmação.
Embora os exemplos sejam bastante americanizados (afinal, o artigo foi escrito por lá), a matéria ajuda a entender o fenômeno em geral, já que ele se expande pra outras áreas da moda e até da arte, que têm seus pontos em comum:
“A moda, assim como a arte, gosta de questionar a beleza, em vez de ter como simples objetivo criações esteticamente agradáveis", diz Carolyn Mair, autora de "A Psicologia da Moda", para a matéria. “Assim, se moda é arte, o 'feio' também é bom.”
Além disso, é uma leitura divertida, já que soa um pouco surreal às vezes, hahah. E quem sou eu pra julgar?
Uma outra dica de leitura sobre o assunto é essa matéria do jornal Nexo, de 2017, que vai atrás das raízes históricas do feio na moda e seu impacto recente e mais complexo na indústria. Mas só está disponível para assinantes, então não poderia ser minha recomendação principal.
obrigada por chegar até aqui :) na adolescência, eu me acostumei a ouvir das minhas amigas que meu gosto pra cabelo, roupas e essas coisas era esquisito. nunca liguei porque no fundo eu sabia que na verdade eu era só uma early adopter das tendências de internet, que eu consumia pelo tumblr e elas só uns meses depois, quando chegavam no instagram. o que era feio e estranho numa hora era a moda um tempo depois. acho que isso acabou abrindo meu coração pra estéticas diferentes, e eu nem estranho tanto o uglycore. mas ainda vejo muita gente se revoltando por aí e quis trazer o assunto pra makers. enfim, fique a vontade para responder esse e-mail se quiser conversar, compartilhar algo ou até mesmo criticar algum ponto da newsletter. espero que esse possa sempre ser um espaço de troca.
até a próxima terça!
- hele
👩🏻💻 curadoria e textos por hele carmona, jornalista & estudante de design
💡 tem algo incrível que você gostaria de compartilhar comigo e com outros leitores da makers gonna make? pode me mandar por aqui!
Amei a explicação da Helena Obersteiner sobre o curso, como entender e trabalhar o erro e o aprofundamento da consciência corporal pra mim, se aplica a muitas áreas, inclusive no teatro. Pelo menos é assim que tento trabalhar :)