oie! seja bem-vinde a mais uma edição da makers :) eu sou hele carmona, jornalista & designer. na edição de hoje quero falar sobre um dos nomes mais importantes no design: Ellen Lupton. ela já foi citada em dez (!) edições da makers e aparece na maioria esmagadora de bibliografias de cursos de design, universitários ou livres. seus livros sobre design são best-sellers, e comecei a me perguntar: o que a torna tão lida e tão recomendada? como ela se tornou o fenômeno que é? eu tenho alguns palpites. vamos?
No iceberg da bibliografia sobre Design, Ellen Lupton está no topo — e isso é intencional, porque ela acredita que Design é para todo mundo. Muito reconhecida por seu livro Pensar com Tipos (2004) — presença garantida nas bibliografias de cursos universitários —, Novos Fundamentos do Design (2006) e mais recentemente Extra Bold: um guia feminista, inclusivo, antirracista, não binário para designers (2023), Ellen Lupton também é educadora e curadora no Cooper Hewitt.
Seu nome sempre aparece em listas de livros essenciais sobre Design, ementas de disciplinas universitárias e cursos livres; desde que criei a makers, várias pessoas que entraram em contato comigo a mencionaram em algum momento. Nas últimas semanas, me peguei pensando: por quê? E aqui, é claro que não estou questionando a autoridade de Ellen Lupton e nem a importância de suas contribuições para o Design. Genuinamente me senti curiosa a conhecer melhor sua biografia, sua carreira e seus princípios inegociáveis.
Meu primeiro passo foi olhar mais atentamente para suas publicações. De acordo com uma entrevista para a BMoreArt, Ellen já publicou 31 livros — quase um por ano nos últimos 30 anos. Prática leva à perfeição, i guess, e ela definitivamente não tem medo de escrever. Na lista de títulos publicados pela autora, dois me chamaram atenção, principalmente porque eu sempre ouvi falar muito sobre ela, mas nunca tinha visto esses títulos sendo mencionados. São eles D.I.Y.: Design It Yourself, de 2006, e Design Your Life: The Pleasures and Perils of Everyday Things, de 2009. Eles são direcionados ao público geral, ecoando um dos princípios norteadores do trabalho de Ellen: saber sobre design pode melhorar a vida de qualquer pessoa. Em Design Your Life, ela escreve:
“Design” é mais do que os produtos que você compra em lojas sofisticadas ou o visual moderno que movimenta produtos na Target e na IKEA. Design é pensamento crítico. É uma maneira de olhar para o mundo e questionar por que as coisas funcionam — e por que não funcionam. Use o design para reconhecer as formas de prazer e produtividade escondidas nas bagunças do dia a dia, seja em um cômodo, um cesto de roupa suja, uma pilha de papéis ou uma agenda cheia. Design é pensamento criativo. Use-o para planejar festas memoráveis sem se esgotar, para extrair significado e alegria de feriados comerciais e para concretizar sua própria visão do que é moderno, descolado, bonito ou justo.”
É fácil atribuir a abordagem ultradidática de Ellen Lupton ao seu trabalho como professora de Design e até à sua família: ela é filha e irmã de professores. Crescer numa família de educadores moldou a sua forma de ver o mundo: sempre curiosa, explorando diversas formas de expressão — com destaque para a verbal e a visual, colocando a mão na massa e explicando coisas. Quando escreveu Pensar com Tipos (2004), ela disse que queria um livro que abordasse “o por quê e o como da tipografia, mas com teoria e história sérias” para usar com seus alunos. É um livro pensado para a sala de aula, e que foi amplamente adotado pela academia nos anos seguintes. Sim, seu trabalho como professora definitivamente tem influência direta nas suas publicações. Mas depois de explorar mais a fundo sua bibliografia e diversas entrevistas, eu acredito que um fator extra que fez Ellen Lupton se tornar tão popular foi a sua paixão pela cultura DIY.
Sua irmã gêmea, Julia Lupton, é sua cobaia: uma pesquisadora da área de Letras, especialista em Shakespeare. Ellen a ensinou a usar alguns softwares de design e a incentivou a criar o próprio cartão de visitas. Ao observar a autonomia criativa que essas habilidades conferiram à irmã, Ellen decidiu espalhar a palavra do Design por aí. Ela faz isso simplificando a teoria e buscando analogias com situações cotidianas. DIY: Design it Yourself ensina habilidades básicas de Design, como criar um convite de aniversário ou um cartão de visitas (aliás, em 2006, antes do Canva e seus modelos prontos, ela foi muito gentil de se dispor a ensinar). Ela conta:
Em 2006, decidi produzir o livro “DIY: Design It Yourself” com meus alunos de pós-graduação. Isso aconteceu no auge da Readymade Magazine, e pensei: por que não aproveitar o interesse cultural pelo DIY, mas focá-lo no design gráfico, que até então havia sido negligenciado na maior parte do buzz sobre DIY? Publicamos esse livro, que foi um grande sucesso. (…)
O movimento DIY continuou a crescer desde então, com o surgimento da “fabricação pessoal” via impressão 3D e a expansão de métodos mais articulados de aprendizado alternativo online, de plataformas como Instructables a Skillshare. Meus alunos de pós-graduação e eu continuamos a publicar livros que buscam disseminar conhecimentos sobre habilidades e práticas de design. Nosso livro “Indie Publishing: How to Design and Produce Your Own Book” tem uma abordagem explicitamente DIY, enquanto os outros livros foram mais direcionados a jovens designers em formação ou ingressando na profissão. Todos esses livros, no entanto, têm como objetivo divulgar e afirmar que a prática do design é aberta e acessível.
Todos nós tomamos decisões de Design, designers ou não. Combinamos roupas, escolhemos mobília, e hoje em dia a maioria das pessoas (fonte: eu acho) já deve ter usado o Canva pra criar alguma peça gráfica. Eu não estou dizendo que usar o Canva pra fazer um story te torna um designer; mas há decisões de Design a serem tomadas ali. Mesmo escolher um template adequado ao tema/tom desejado é uma decisão de Design, e é possível tomar decisões erradas; capacitar e desmistificar essas escolhas pode ser importante.
Preocupados com a precarização crescente no mercado criativo, muitos profissionais criativos sentem a necessidade de defender arduamente que apenas designers podem fazer design e acreditam que incentivar a prática amadora é negativo para a profissão como um todo. De acordo com o blog Design Practices & Paradigms, Ellen Lupton teve um “debate amigável” com Steven Heller sobre o tema na época do lançamento de Design It Yourself. Ele argumentou:
“Eu me encolho ao pensar em designers medíocres ‘fazendo por conta própria’. As pessoas não deveriam pensar que são designers só porque conseguem brincar com tipografia em um modelo de computador. Se as pessoas começarem a achar que o design gráfico é tão fácil quanto um, dois, três, isso irá diminuir a autoridade dos designers e o respeito dos clientes. Eu temo que o D.I.Y. seja uma licença para matar — e para matar o designer. Por favor, salvem-nos dos amadores bem-intencionados!”
É preciso algum nível de humildade para entender que não, o “bom design” não é essencial a convites de aniversário e anúncios exibidos em redes sociais. A atuação de amadores e profissionais pode coexistir, especialmente porque não disputam os mesmos postos, não têm os mesmos objetivos. Ao reconhecer e lidar com essa questão há mais de duas décadas, sem deixar sua “autoridade” de designer e educadora falar mais alto, Ellen Lupton se mantém como a autora mais convidativa do mercado editorial de Design.
Voltando ao debate, Ellen respondeu:
“Nem todo mundo é um ‘profissional de design’, uma pessoa dedicada a resolver problemas complexos e executar grandes projetos que demandam alto investimento de capital. Mas todos podem criar elementos de sua própria vida, como seus cartões de visita, papéis timbrados, panfletos e convites de casamento. (…)
Talvez o foco devesse ser desviado do elitismo. Talvez nossa credibilidade não deva vir do status de elite do design, mas sim de sua relevância universal para a vida cotidiana.”
Além disso, o fato de Ellen Lupton ter publicado livros tão acessíveis (que alguns acreditam “baixar demais a barra”) não quer dizer que ela não publicou também livros mais complexos, embora se fale menos sobre eles. A primeira vez que li Design/Escrita/Pesquisa (2011) eu não entendi nada porque eu não li Derrida, Barthes e Foucault o suficiente. O fato é que, ao falar com um público tão abrangente em seus livros “de entrada”, ela abre um caminho que nos ajuda a explicar tanta popularidade.
Por fim, uma coisa que pessoalmente me atrai na produção educacional de Ellen é que ela não se leva tão a sério. No Instagram, ela compartilha vídeos e fotos comentando princípios de Design de forma divertida e incomum — como quando ela fez color theory cupcakes:
Acho que a única coisa que me incomoda sobre a super-popularidade de Ellen Lupton é que ela acabou se tornando uma espécie de token para a representatividade feminina no Design. Peça para um aluno dos primeiros períodos da faculdade (ou mesmo alguns profissionais mais velhos rs) citar de cabeça uma mulher designer e ele pode se lembrar dela, mas eu duvido que chegue a três nomes. Então fica o recado: se você não consegue, mude isso imediatamente. O Teoria do Design tem uma sessão dedicada a postar perfis de mulheres designers; e eu também já publiquei sobre algumas na seção história das coisas.
💫 avisos e novidades!
Não conseguiu comprar um exemplar físico do workbook de escrita sobre design Glifo por glifo? Ainda dá pra adquirir a versão digital por 38 reais :) A chave pix é contato@helecarmona.com. É só me mandar o comprovante e seu endereço de e-mail pra receber o arquivo PDF :)
Conforme contei na última edição, ao longo do ano de 2025 vou criar uma letra/caractere por semana usando técnicas manuais e analógicas. Tenho compartilhado as letras no Instagram, no perfil heleletters. Fica o convite pra quem quiser acompanhar <3
obrigada por ler até aqui! me sinto voltando às origens da newsletter, falando sobre design mesmo hahah. o que você achou dessa edição? fique a vontade para responder esse e-mail — eu espero que esse seja sempre um espaço de troca. e se você acha que alguém que você conhece gostaria dessa edição, compartilhe :)
Eu tenho alguns livros dela como meta e atualmente estou lendo o livro Design É Storytelling dela, ela parece uma simpática e o livro tem sido uma delícia a leitura.
Ah, ela aparece no documentário da Helvetica, né? Ou é no episódio da Paula Scher do Abstract? Ou nos dois, não lembro agora.