oie, seja bem vinde a primeira edição da makers de 2024! durante o recesso da newsletter muita gente nova chegou por aqui e antes de começar quero agradecer a todos que acompanham e compartilham a newsletter. obrigada :)
eu nunca ouvi ninguém dizer que gostaria de passar mais tempo online. todo mundo quer se sentir menos viciado, menos ratinho na roda, mas quantos conseguem? eu travo uma batalha contra um tempo de tela alto há alguns anos, e estou sempre pensando sobre como seria possível melhorar minha relação com tecnologia e as redes sociais. é uma meta pessoal pra 2024, e decidi compartilhar algumas reflexões por aqui. vamos?
uma faca de dois gumes
A dificuldade em manter uma relação saudável com a tecnologia não existe porque estar online é ruim, mas porque é bom e ruim ao mesmo tempo. No ensaio “O eu na internet”, publicado no livro Falso Espelho, Jia Tolentino pontua bem que a internet é “em grande parte indissociável dos prazeres de nossa vida: nossos amigos, nossa família, nossas comunidades, nossa busca pela felicidade e, às vezes, se tivermos sorte, nossos empregos”, mas, ao mesmo tempo, “é construída para distorcer nosso senso de identidade”. Nos resignamos em relação a toda a negatividade, ódio, comparação e outros aspectos negativos porque não queremos abrir mão da parte alegadamente boa. Mas será que ainda vale a pena?
“Passar menos tempo conectada” é uma ideia que sempre volta pra minha mente nas viradas de ano. Pelo menos desde 2019 eu tento diminuir o meu tempo de tela e acho que o máximo que consegui foi não deixar ele crescer - o que honestamente talvez já seja bastante coisa, considerando que enquanto eu (e talvez você) luto pra diminuir meu tempo de tela tem gente empenhada em aumentá-lo.
o X é de exploração, não de experiência
Em 2021 Mark Hurst publicou o artigo “Why I'm losing faith in UX”, onde descreve a mudança de objetivo dos times de design das Big Techs - em pouco menos de três décadas, “experiência do usuário” se converteu em “exploração do usuário”, tão consciente e malvada como o nome faz parecer.
Para Mark, a evolução da área de UX pode ser dividida em 3 décadas: 1997 a 2007, a “Era de ouro”, 2008 a 2018, o “Deslize” e de 2019 pra cá, a “Redefinição”.
Na Era de Ouro projetar uma boa experiência para os usuários significava mais lucro ou pelo menos custos mais baixos para as empresas. Era comercialmente vantajoso e provavelmente por isso havia uma preocupação real com as necessidades e desejos das pessoas. Uma boa experiência, simples e agradável, era o ativo mais poderoso que uma empresa de tecnologia podia deter.
Em 2008 a crise econômica mundial fez com que equipes de design se tornassem menores e perdessem voz dentro das organizações, dando início ao período chamada de Deslize. Esse é um momento em que o acúmulo de dados e os algoritmos ganham mais importância em detrimento da experiência dos usuários.
Por fim, da Redefinição: de User Experience para User Exploitation, que Mark Hurst ilustra com um caso real, a dificuldade de cancelar uma assinatura do Amazon Prime:
“O que deveria ser uma única página com um link “Cancelar minha assinatura” agora é um processo de seis páginas repleto de “padrões obscuros” – truques de design enganosos conhecidos por enganar os usuários – e distrações desnecessárias. Isto não é um acidente. (…) Há uma organização de UX altamente treinada e bem paga na Amazon que está trabalhando ativamente para enganar, explorar e prejudicar seus usuários.
A [área de] UX mudou completamente agora, de defender o usuário para trabalhar ativamente contra os interesses dos usuários. Para aumentar os lucros, a UX se transformou em exploração do usuário.”
Naturalmente - ou pelo menos, previsivelmente, considerando o capitalismo - em um contexto em que as redes sociais lucram com a venda de espaço publicitário e, consequentemente, da nossa atenção, o principal objetivo das equipes responsáveis por projetá-las passa a ser aumentar cada vez mais a oferta de atenção disponível para os anunciantes - ou seja, me manter viciada em rolar o feed.
as redes sociais podem ser melhores?
Até que podem. Olhando pra trás é fácil ter a impressão de que a internet se deteriorou de forma irreversível com as ascensão do modelo de redes sociais que temos hoje, mas nada é inexorável. Tobias Rose-Stockwell é designer, especialista em tecnologia e autor do livro “Outrage Machine”, que ele mesmo descreve como “um livro sobre como a internet quebrou nossos cérebros”.
A pesquisa do Tobias foca especificamente no ódio e como esse sentimento, apesar de negativo, consegue nos manter engajados: “o que é bom para captar a atenção humana muitas vezes é ruim para os humanos”.
Há alguns anos ele publicou no Medium o artigo “Como projetar redes sociais melhores”, e as propostas dele são as seguintes:
Tornar mais fácil ser gentil: implantar ferramentas como um botão de “desfazer post” nos primeiros segundos após a postagem de um comentário com linguagem ofensiva ou acrescentar a opção de responder de maneira privada para comentários em geral, diminuindo a sensação de “arena” que os comentários podem ter.
Medir as coisas ruins: e medir melhor. Ao invés de considerar a relevância de posts de maneira quantitativa (mais interações = melhor), criar avaliações qualitativas, como perguntar aos usuários se eles se arrependem de ter consumido algum tipo de conteúdo ou pedir que classifiquem posts em seu nível de toxicidade, etc.
Filtrar conteúdo prejudicial: diminuir o alcance de posts com conteúdo violento, agressivo, sensacionalista, etc.
Devolver o controle aos usuários: permitir que a pessoa rolando o feed decida que tipo de conteúdo quer ver com mais frequência, escolher a ordem (cronológica? por “relevância”?) em que os posts aparecem, etc.
É uma pena pensar que não adianta só achar essas ideias boas já que eu, sei lá, não sou uma tomadora de decisões na Meta. Mas recomendo a leitura do artigo completo - é muito interessante e pode inspirar algumas ações individuais. O item 2, por exemplo, me deu a ideia de criar uma espécie de diário para registrar como me senti depois de determinadas interações online pra depois avaliar se vale a pena mantê-las ou se é melhor passar a evitá-las.
o que fazer, afinal?
As grandes empresas estão atrás de todos nós, então como reagir? Não é preciso pensar muito pra perceber que é uma relação desigual e que nós, pessoas, estamos em desvantagem. Mesmo assim, eu quero estar menos online. Não quero me dar por vencida. Então pensei - por que não começar o ano com um espaço colaborativo pra trocar experiências e formas de melhorar a nossa relação com as redes?
Aqui vai como eu saí do Twitter: para me livrar da parte ruim, eu matei a parte boa dele também.
Nos últimos meses do ano passado me perguntava porque eu ainda usava o Twitter todos os dias se a rede havia se tornado um lugar tenebroso, cada vez cheio de desinformação e discurso de ódio liberado. O que me mantinha ali? Bom, eu seguia meus amigos e algumas pessoas que admiro profissionalmente me seguiam por lá também. Ler o que era postado e postar (pra aparecer pra pessoas que gosto) eram o que, teoricamente, me faziam ficar. Mas analisando de maneira mais racional, o lado ruim estava muito maior do que o lado bom. Depois de algum tempo pensando, percebi que eu sempre vou ter acesso aos meus amigos por outros canais e provavelmente quem me segue não ligava tanto assim pro que eu postava já que, bom, o Twitter tem muita coisa e um tweet ou outro por semana provavelmente não fazia diferença. Assim, eu removi todos os seguidores e dei unfollow em todo mundo, tornando minha conta completamente inútil. Mesmo que eu reative, se abrir minha timeline hoje não vou sentir vontade de estar lá. Não adianta postar porque ninguém vai ver. Foi o que finalmente funcionou pra mim, mais do que desinstalar o aplicativo, colocar limite de tempo ou só desativar minha conta.
E você, tem alguma experiência pra compartilhar? Responda esse e-mail ou deixe um comentário - vou compilar as respostas em algum link por aqui e depois atualizo essa edição no Substack pra todo mundo poder acessar :)
Alguns avisos: as zines Mulheres na tipografia - uma breve linha do tempo vão ser enviadas até sexta! Sei que demorou, mas tive problemas pra comprar o papel pra produzi-las. Também já saiu o resultado do sorteio do livro Aprender de Coração, da Corita Kent, pra quem participou da pesquisa sobre a makers. Já entrei em contato com a vencedora, mas caso você queira ver o vídeo do sorteio pode entrar em contato comigo.
obrigada por ler até aqui! como sempre, fique a vontade para responder esse e-mail se quiser conversar, compartilhar algo ou até mesmo criticar algum ponto da newsletter. ah, e se você acha que algum amigo/a pode se interessar por esse texto, compartilhe a edição :)
Adorei esse tema, Hele! É uma reflexão que venho fazendo tem um tempo, porque sentia que tava só vendo os outros viverem ao invés de viver a minha própria vida. A minha pasta no Insta de "ideias de coisas pra fazer" só crescia e eu não botava nada em prática. O que fiz foi tirar a notificação de todas as redes e "esconder" os apps no celular. E tentar escrever mini diários ou lista de afazeres quando sentia vontade de mexer no cel. Hoje tô ausente nas redes e não sinto a menor falta, até porque assuntos urgentes ou necessários acontecem diretamente hehe
Desativei meu Instagram em novembro de 2022 e desde lá não sinto a menor falta. Sempre tinha a sensação de precisar me comparar aos outros, precisar mostrar o que eu estava fazendo, e querer acompanhar o que as outras pessoas estavam fazendo (mesmo que não fosse do meu interesse). Embora o Twitter tenha ficado terrível de uns tempos pra cá, ainda é a rede em que consigo me informar com mais rapidez e que acompanho criadores que gosto. E ainda assim meu tempo no Twitter diminuiu muito, pq ao desativar o Instagram, o interesse em acompanhar a vida alheia diminuiu mto de modo geral rs
honestamente não acho que tenhamos boas alternativas pras redes sociais serem mais "saudáveis". Ou é sair/diminuir ou é lidar com como elas estão agora e tentar aproveitar da maneira mais plausível. Por isso gosto tanto do Substack (hj passo muito mais tempo lendo coisas legais das news que assino)! E amo a Makers e o incentivo contínuo em repensar nossas formas de estarmos conectados! <3