#63 palavra vs. tipografia
quando dois aspectos essenciais do texto são tensionados | tempo de leitura: 7 minutos
oie, seja bem vinde a mais uma edição da makers gonna make. a semente da edição de hoje foi plantada na minha cabeça em 2017, quando participei de um curso de escrita criativa e o professor contou uma anedota meio controversa sobre o design de um livro pela editora Cosac Naify. a história voltou num estalo na semana passada enquanto eu lia Design Gráfico: Uma história concisa, de Richard Hollis; e a partir daí fui ligando os pontos. o que está envolvido na relação - às vezes tensa - entre palavra e tipografia?
🔡 Tipografia para reforçar a mensagem
Estamos acostumados a usar sinais visuais para indicar nuances que achamos que faltam nas nossas palavras quando digitamos na internet: os emojis são o maior exemplo disso. Mas com a comunicação acontecendo cada vez mais através de layouts de posts ou texto aplicado sobre vídeo - e menos em textos corridos, como esse - isso se estendeu também para o campo da tipografia (não que nesse texto não haja tipografia, mas eu certamente conto com menos recursos no Substack e no e-mail do que em outros espaços virtuais).
Pode parecer bobo, mas eu acho que nos últimos anos os stories do Instagram se tornaram um espaço de exploração tipográfica. Cada vez que uma pessoa, designer ou não, posta uma foto acompanhada de texto, ela pode escolher entre as nove opções de tipografia que o Instagram oferece, além de algumas opções de animação (!) e infinitas possibilidades de cores. Já vi muita gente clicar em todas as opções e decidir qual prefere no feeling, mas esse não deixa de ser um trabalho de adequação de tom tipográfico para e mensagem textual.
Essa relação entre forma e conteúdo não é recente: a formação clássica em design gráfico nos ensina que a aparência de uma palavra tem tanto ou mais força quanto o seu significado. Um argumento comum para engrandecer os feitos tipográficos é que a tipografia não é só importante, mas necessária para suprir uma espécie de deficiência da palavra impressa (ou, hoje, a palavra digitada). Como escreve Richard Hollis em Design Gráfico: Uma história concisa:
“A palavra, quando impressa, na forma de registro da fala, perde uma extensa variedade de expressões e inflexões. Os designers gráficos contemporâneos (especialmente seus precursores, os futuristas) têm tentado romper essa limitação. Ampliando ou reduzindo os tamanhos, os pesos e a posição das letras, seu tipografismo consegue dar voz ao texto. Instintivamente, existe um anseio não só de transmitir a mensagem, mas também de dar a ela uma expressão única.”
Essa mesma noção está difundida até nos guias mais básicos de tipografia disponíveis online. Um bom exemplo é esse artigo da Rock Content: Tipografia: como usar um dos pilares do Design Gráfico a seu favor, em que o autor usa uma série de anedotas visuais para ilustrar seu ponto:
“Por serem a base da comunicação escrita, os tipos precisam ser muito bem trabalhados para serem adequados à mensagem que você deseja passar e o modo como você deseja passar essa mensagem.”
🧪 Estudos e hipóteses
As “impressões” apresentadas sobre tipografia até aqui já foram testadas algumas vezes. No artigo How typography impacts your mood (que é um trecho retirado do livro Why Fonts Matter, da mesma autora), Sarah Hyndman escreve:
“Há um paralelo entre o que vivenciamos no mundo físico e como isso influencia a nossa interpretação das formas dos tipos de letra. O tipo pode ser visto como um espelho das emoções que demonstramos no mundo real por meio de nossas expressões faciais e gestos.”
A partir de um estudo realizado por Poffenberger and Barrows em 1933, que explorou como formas simples e linhas poderiam comunicar emoções, Sarah busca por correspondentes tipográficos para cada emoção: uma tipografia com ângulos pontudos e direcionados para cima pode traduzir raiva e agitação, enquanto outra com curvas suaves e equilibradas sugere felicidade e amabilidade.
Ela também cita o estudo Emotional and Persuasive Perception of Fonts, de 2008, no qual os psicólogos Samuel Juni e Julie Gross distribuíram o mesmo artigo satírico do New York Times para 102 estudantes, alguns em Arial e outros Times New Roman. Após a leitura, os estudantes classificaram o texto a partir de uma lista de adjetivos pré-determinada, e aqueles que leram o artigo em Times New Roman o classificaram como mais “engraçado” e “raivoso” (ou seja, mais intenso no tom satírico).
É bem possível que essas percepções variem regionalmente, seja por conta da língua, do alfabeto utilizado ou mesmo da cultura visual de cada sociedade; mas ainda sim esses testes associativos demonstram que a escolha tipográfica pode reforçar ou enfraquecer um tom específico no texto.
📖 E quando a mensagem não quer ser reforçada pelo design?
Como uma designer que escreve, eu frequentemente penso na forma das palavras que escolho. É comum que eu já escreva já pensando em como as frases vão estar posicionadas, em qual tipo de papel serão impressas, quais cores e técnicas de impressão vou usar. Mas sempre me lembro de uma anedota que um professor me contou em um curso de escrita criativa:
A extinta editora Cosac Naify, conhecida por seus projetos gráficos caprichados e super trabalhados, trabalhou em uma edição do livro A Paixão, de Almeida Faria. O livro é narrado em três partes, manhã, tarde e noite, que foram impressas em papéis de cores diferentes: cinza suave e quente para a manhã, branco para a tarde e um cinza mais profundo para a noite. Diz o boato que, ao ver o livro pronto, o autor teria questionado:
“E todo o trabalho que eu tive para clarear as palavras da manhã e escurecer as palavras da noite?”
A tipografia e outros elementos de um projeto gráfico podem ser capazes de comunicar certos aspectos onde as palavras faltam - mas essa anedota sempre me lembra de que não podemos assumir que a comunicação verbal é inerentemente incompleta. Eu amo tipografia e design editorial justamente porque acho que as palavras importam, e assim merecem um trabalho de design que não as subestime.
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obrigada por ler até aqui! na edição passada o
me disse que têm textos que são mais resposta e outros que são mais pergunta. acho que esse é mais pergunta, um convite pra reflexão: estamos subestimando a capacidade das palavras de transmitir mensagens completas? como a tipografia pode ser uma aliada sem passar por cima do conteúdo? como sempre, fique a vontade para responder esse e-mail se quiser conversar, compartilhar algo ou até mesmo criticar algum ponto da newsletter. ah, e se você conhece alguém que pode gostar desse texto, compartilhe a newsletter :)