#46 por que os celulares fazem tantas coisas?
o maior case de acúmulo de função do século | tempo de leitura: 8 minutos
mexer no celular é a primeira coisa que você faz ao acordar? pra pelo menos 62% dos brasileiros, que usam o aparelho como despertador, sim - nem que seja só pra desligar o alarme. essa característica dos smartphones de acumular um monte de funções num aparelho só - alarme, câmera, tocador de música, etc - certamente impulsiona o seu uso no dia a dia. mas como os celulares passaram a fazer tantas coisas? alguém realmente usa todas as funções de um smartphone? e quais são os caminhos possíveis? essas e outras perguntas deram origem a essa edição :) mas antes, um aviso!
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☎️ o mundo antes dos smartphones
Reza a lenda que, em algum momento da história, as pessoas tinham um dispositivo pra cada coisa: pra alarmes e ver as horas, usavam relógios. Pra ouvir música, iPods, aparelhos de mp3 ou até - pasme - rádios. Pra pagar contas elas precisavam ir até uma casa lotérica ou um caixa eletrônico - ou pior, ir no banco. E tinham um outro aparelho que só tirava fotos. Dá pra imaginar?
Ok, é claro que esse parágrafo é uma piadinha - eu não sou tão nova assim. Mas mesmo para pessoas que passaram décadas sem smartphones pode ser difícil de se lembrar como era a vida sem um aparelhinho que faz tudo nas mãos. Eu, por exemplo, uso o celular pra tirar fotos, gravar vídeos, editar vídeos (aliás, é parte do meu trabalho), anotar ideias, acessar email e redes sociais, ler newsletters e jornais, fazer transações bancárias, pedir carros de aplicativo, comprar coisas, jogar Tetris - a lista é mesmo infinita. E essa lista enorme nem chega perto da totalidade de funções que um smartphone pode fazer.
Como é que os telefones celulares passaram de telefones pra isso? Talvez hoje em dia seja até mais adequado chamar smartphones de mini-computadores, e não telefones, já que muitas pessoas nem fazem ligações. De acordo com o Science Museum, o avanço tecnológico que mais impulsionou os smartphones foi a conexão 3G:
As redes 3G possibilitaram a transmissão de dados a uma taxa alta o suficiente para enviar e receber vídeo, tornando possível o acesso multimídia. Hoje essas redes se desenvolveram ainda mais, com a chegada do 4G em 2012 e as experiências recentes com o 5G.
Com essa nova tecnologia de transmissão, em 2008 a Apple lançou o iPhone 3G, que foi um sucesso seguido rapidamente pelas empresas concorrentes; e a partir daí as vendas só cresceram. Em 2013, uma em cada cinco pessoas ao redor do mundo já tinha um smartphone pra chamar de seu. A praticidade do dispositivo fez sucesso, e assim o aparelho passou a acumular todo tipo de função imaginável.
⚙️ alguém usa mesmo todas essas ferramentas?
Provavelmente não, mas ninguém usa o celular pra uma coisa só também. É justo, por observação, afirmar que cada pessoa usa em seu smartphone as ferramentas que acha úteis e “necessárias”; e quais ferramentas são essas variam de pessoa pra pessoa. Nas profissões da área criativa é comum que o celular seja usado para tarefas de trabalho: da criação de postagens rápidas à edição mais complexa de imagens e vídeos - é o meu caso. E eu pessoalmente não uso o celular para assistir filmes e séries - deixo a diversão pra telas grandes - mas 50% dos entrevistados pela Hibou em um mapeamento dos hábitos dos brasileiros no mobile afirmam que usam o aparelho para acessar a Netflix. Apesar das tendências, cada um é cada um. Como a ideia das empresas é que alguns modelos contemplem todos os usuários, a maioria tem funções muito parecidas e o usuário decide quais usar.
Sempre que se fala em “fazer tudo pelo celular”, alguém levanta o argumento de que ei, têm pessoas que não têm celular! e pessoas mais velhas que não gostam disso! É verdade, não dá pra fingir que não existem pessoas por aí sem acesso ou sem intimidade com essa tecnologia. Mas a pesquisa que citei da Hibou, publicada em dezembro de 2022, investiga a rotina dos brasileiros com seus celulares e mostra que 54% usa o celular durante “todo o dia”, ou seja, de forma inseparável da rotina. Os usos do smartphone mais mencionados foram as redes sociais (89%), troca de mensagens (78%), despertador (62%), aplicativos de banco (62%) e gravação de fotos e vídeos (55%). Outras tarefas que aparecem na pesquisa e chamaram minha atenção foram consultas médicas remotas (34%) e cursos via aplicativos (23%). E talvez haja funções que nem estão contabilizadas na pesquisa: quantos de nós não usamos a câmera frontal como espelho às vezes? E como cardápio, escaneando um QR code?
Então, por mais que não seja a realidade de todo e qualquer brasileiro, não podemos ignorar que tem muita gente que considera seu celular uma extensão de si mesmo, um dispositivo indispensável para tarefas realizadas todos os dias. A concentração de várias funcionalidades em um único dispositivo e a noção de praticidade atrelada a ela impulsionam esse comportamento.
Mas nem tudo são flores: podemos fazer tanta coisa com um celular que, às vezes, parece que não estamos fazendo nada. É o que indica uma postagem recente da Revista TPM, sobre um levantamento feito pela Universidade de Michigan com estudantes de 13 a 18 anos:
O levantamento, feito anualmente desde 1991, mostra que neste ano quase metade dos jovens concordam com frases como “não consigo fazer nada direito”, “não aproveito a vida” e “minha vida é inútil”. Especialistas atribuíram esse aumento de sintomas de ansiedade e desesperança às redes sociais, que se tornaram as principais causas da depressão entre adolescentes no país. Estudos mostram que jovens da geração Z (nascidos entre 1997 e 2012) passam até nove horas por dia com os olhos grudados nas telas de seus celulares, substituindo importantes interações sociais e marcos de desenvolvimento.
Na edição #38 da makers gonna make eu falei um pouco sobre os conflitos que essa rotina hiperconectada pode causar no comportamento dos usuários. E, com quase 90% dos brasileiros (de todas as idades) acessando as redes sociais através de seus smartphones, fica meio difícil traçar a linha que separa um do outro.
📵 existem outros caminhos?
No mês passado a Apple anunciou seus óculos de realidade aumentada - ou computação espacial, como eles preferem chamar. Você já deve ter visto algo sobre isso por aí (ou lido tudo sobre isso, se você acompanha mais assiduamente as notícias de tecnologia), mas nos primeiros minutos do vídeo de lançamento dá pra ver que o que a Apple está propondo é uma hiperconectividade pós-smartphone: acessar aplicativos e ferramentas “no ambiente”. Esse é um dos caminhos - que não sabemos se vai se concretizar, mas está aí.
Mas o futuro não precisa ser uma linha reta, sempre em “frente” - podemos resgatar hábitos antigos também. No artigo A importância dos dispositivos de função única, Rishikesh Sreehari fala sobre como podemos explorar outros aparelhos, como câmeras e tocadores de discos, para lidar melhor com um mundo tão distraído:
À medida que avançamos para um futuro em que todos estão preocupados com sua atenção, mais dispositivos de função única aparecerão. Na verdade, tenho tentado tornar meu telefone chato ultimamente para conter meu vício e ser menos dependente dele. Dispositivos de uso único, como dumbphones, aumentaram as vendas nos últimos dois anos. Os despertadores analógicos estão em demanda em todo o mundo e as pessoas estão até tentando encontrar maneiras de escrever sem distrações usando escritores especializados sem distrações. Empresas como a Apple começaram a adicionar modos de foco em iPhones para torná-los livres de distrações durante o trabalho ou a leitura. Embora o Spotify ainda seja popular, o mercado viu um ligeiro aumento nas vendas de discos de vinil, provando que há um mercado além dos entusiastas.
Os dumbphones que ele menciona no texto são celulares básicos (não necessariamente antigos, há modelos novos com menos funções), que fazem pouco mais do que enviar mensagens e fazer ligações e vem ganhando espaço no mercado. Eles normalmente são modelos buscados por serem muito baratos, mas também por pessoas mais idosas ou com menos intimidade com tecnologia, ou então usuários assíduos que querem se desconectar do turbilhão de informações que é navegar na internet o dia todo. Confesso que já quis migrar pra um desses - mas fiquei receosa de perder alguma oportunidade profissional por conta disso, ou de ter uma emergência na rua e não ter como resolver. E você, o que acha? Deixe um comentário pra compartilhar seu ponto de vista :)
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obrigada por ler até aqui :) como é sua relação com seu celular? fique a vontade para responder esse e-mail se quiser conversar, compartilhar algo ou até mesmo criticar algum ponto da newsletter. espero que esse possa sempre ser um espaço de troca. e se você gostou da edição, compartilhe com alguém!
Acho que a ansiedade cresce nesse receio que você descreveu de perder uma oportunidade ou estar em uma emergência na rua, se não existisse smartphone poderia ainda ser uma preocupação, mas menor(?)
O tanto que eu queria a volta dos mp3, mas mais pela questão da segurança, poder ouvir música pela rua sem o medo de todos os bancos poderem ser acessados por um único aparelho.