#34 o mundo está menos colorido?
ou será que nossa vida está só piorando mesmo? | tempo de leitura: 6 minutos
“amei muuuito a edição da pantone e ia amar ver mais pensamentos sobre cores (nem necessariamente sobre monopólio, mais sobre estética mesmo)”
obrigada, leitora que deixou esse comentário! fiquei mesmo instigada a escrever mais sobre cores. existe tanto pra explorar nesse assunto que essa edição quase não saiu. da forma como escolhemos cores para compor projetos criativos - layouts, produtos, ilustrações - até como associamos tão diretamente algumas cores com emoções - você pode ficar verde de inveja, ver o mundo com óculos cor de rosa ou feel a little blue - não dá pra negar que nos relacionamos com cores de forma muito intensa. eu pensei em muitas abordagens pra falar sobre isso; mas em todas as pesquisas que comecei, eu esbarrava na afirmação de que o mundo está cada vez menos colorido. então, antes de falar sobre qualquer cor em específico, eu quero descobrir: pra onde as cores estão indo?
🎨 O mundo está ficando mais cinza?
Se eu guardar meu compromisso científico no bolso por alguns minutos, posso admitir que dá pra ver. Se você viveu os anos 70 ou 80 ou se você curte estética retrô você sabe do que eu estou falando: de roupas a eletrodomésticos, as coisas simplesmente eram mais coloridas (será?). Um passeio pelo perfil do twitter Baú da Propaganda Nacional também ajuda a ter uma ideia:
Além disso, o Creative Industries Policy & Evidence Centre (PEC) analisou uma parte do acervo de objetos do Science Museum Group ao longo dos anos e chegou a algumas conclusões - o estudo completo está descrito nesse artigo:
“Examinamos mais de 7 mil fotografias de objetos de 21 categorias. As categorias foram selecionadas com base no fato de conterem um grande número de objetos cotidianos ou familiares. (…) As fotografias nos permitem estudar a forma dos objetos — a sua forma, cor e textura.”
O gráfico abaixo mostra a mudança das cores que aparecem nas fotografias desses objetos ao longo do tempo, começando em 1800; provavelmente, pra essa edição, faz mais sentido olhar a partir século XX. Dá pra notar algumas tendências aqui, mas o estudo pontua que o aumento de cinza e a diminuição do marrom se dá principalmente pela introdução de novos materiais; um pouco mais relacionado à essa edição e à “linguagem” dos objetos, podemos observar o aumento de cores mais saturadas nos anos 1960, com um pico nos anos 1980 e uma subsequente diminuição.
O estudo também mostra um recorte a partir de um único objeto, o telefone:
“Curiosamente, alguns dos primeiros telefones compartilham o mesmo esquema de cores preto e prata que é visto hoje em muitos smartphones. Em contraste, os telefones das décadas de 1960, 70 e 80 cobriam uma gama mais ampla de cores. O 'acinzentamento' começou no final dos anos 1980, com a introdução do telefone ‘tijolo’.”
Se você se interessa pelo assunto, vale a pena conferir o estudo completo: Colour & Shape: Using Computer Vision to Explore the Science Museum Group Collection.
🌈 Mas o mundo está ficando menos colorido ou só… pior?
Antes de continuar, eu queria dizer que durante a pesquisa pra essa edição eu não encontrei nenhuma pesquisa confiável1 sobre os possíveis motivos para um “acinzentamento” do mundo. No ano passado, o André Carvalhal (@carvalhando), que está sempre compartilhando reflexões legais sobre consumo e sociedade, fez um post citando o mesmo estudo que eu e escreveu o seguinte:
“O que tá rolando? O principal motivo para a neutralização do mundo está na padronização mercadológica. Produzir e vender em escala é mais difícil com muitas cores diferentes.”
Embora isso faça sentido… eu não encontrei nada que embasasse essa afirmação. Na verdade, eu só consegui pensar em como dá pra comprar iPhones em muitas cores (o meu é rosa, claro), relógios coloridos, roupas, etc. Como a análise de objetos do Science Museum mostrou, a introdução de certos materiais (principalmente alguns metais) influenciou diretamente na porcentagem total de cinza no mundo, mas isso é meio óbvio. Produtos coloridos podem não “sair” tanto quanto os pretos e brancos, mas eles são uma opção em muitas coisas. Até nos carros. Você pode comprar um carro azul se quiser. Se você quer é outra história. E não dá pra separar a produção industrial do consumo em si, porque as duas coisas se influenciam mutuamente: eu não sei se a maioria das pessoas escolhe celulares pretos porque são mais produzidos ou se eles são mais produzidos porque menos pessoas escolhem celulares cor de rosa.
Na verdade, se eu tivesse que chutar, eu diria que os avanços tecnológicos e o surgimento de materiais alternativos pode contribuir pra que surjam ainda mais opções de cores. Mas tem outro ponto importante: até aqui, essa discussão está girando em torno de objetos de consumo, que representam uma boa parcela do mundo, mas não sua totalidade. Então de onde vem esse pânico de que o mundo pode estar mais cinza?
Katy Kelleher, historiadora que escreve principalmente sobre cores, disse o seguinte em uma entrevista ao Architectural Digest:
“Ter [filiais do] McDonalds menos coloridas realmente não importa. Não precisamos que bens de consumo sejam coloridos para ter uma vida boa. O que importa é muito maior do que isso. As pessoas estão ficando mais solitárias e menos conectadas umas às outras, e na verdade estamos perdendo coisas muito importantes (…). [Essa obsessão com a perda de cores] pode ser um lugar para colocar nossa tristeza enquanto descobrimos o que está acontecendo”
👩🏻⚖️ Tá, mas qual é o veredito?
O mundo está mais cinza? Mais colorido? A gente não acabou de passar pela febre do Dopamine Dressing no ano passado? Eu tenho delírios em que eu consigo catalogar todos os artefatos no mundo e descubro a resposta, mas não vai acontecer.
Do jeito que eu vejo, se seu entorno está mais colorido ou não depende muito da sociedade em que você está inserido e do seu poder de consumo, e o color panic que se espalha pela internet há alguns meses não caminha pra lugar nenhum. Mas concordo muito com a Katy Kelleher: não tem “psicologia das cores” ou tom de amarelo vibrante que devolva a sensibilidade, a humanidade, as conexões emocionais que sentimos que estamos perdendo tão frequentemente na atualidade.
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obrigada por ler até aqui :) esse é um dos textos mais exploratórios que já escrevi. não consigo afirmar nada, e também não fiquei tentando. comecei a edição acreditando que o mundo tá mais cinza e terminei discordando de mim mesma. e você, o que acha? fique a vontade para responder esse e-mail se quiser conversar, compartilhar algo ou até mesmo criticar algum ponto da newsletter. espero que esse possa sempre ser um espaço de troca. até a próxima terça!
encontrei alguns posts de blog e de redes sociais, nenhum com fonte para os motivos, então não considero :/
Adorei essa edição, Hele! E fiquei aqui pensando em como essa pode ser uma visão bem ocidental do tema também. Será que o mundo está mais cinza ou é só *nossa* parte do mundo que desistiu das cores 🤔 eu sei lá kkkk mas pensei nisso aqui
amei amei amei muito essa edição