#8 design, registro & memória
Tempo de leitura: 4 minutos | ferramentas de registro cada vez mais complexas estão surgindo e podem nos levar a refletir sobre a nossa relação com os ambientes e o passado
Perdeu a edição passada? Leia ‘design para brincar’
em um mesmo dia, eu fiquei sabendo sobre o escaneamento 3d de um prédio histórico no japão e de um projeto do MIT para escanear e registrar a favela da rocinha. comecei a me perguntar sobre as possibilidades desse tipo de registro, tão mais complexo e abrangente do que as fotografias, limitadas a um enquadramento específico. principalmente com o aumento do acesso a câmeras ou celulares com câmera, criamos o hábito de registrar coisas importantes fotografando, imaginando que daqui a alguns anos vamos olhar as fotografias e nos lembrar dos momentos. mas cada fotografia só pode registrar uma cena, um ângulo, um recorte. pensando nisso, que papel o escaneamento e as projeções 3d podem ter na construção da nossa memória?
❤️ para se inspirar
Favela 4D, um projeto do MIT para escanear a Rocinha
O laboratório Senseable City Lab, do MIT, está conduzindo um projeto de escaneamento 3d da favela da Rocinha. De acordo com o site oficial do projeto Favela 4D, quase 1 bilhão de pessoas ao redor do mundo habita “assentamentos informais”; se o escaneamento da Rocinha for bem sucedido, a ideia é mapear outras localidades em diferentes países.
A página do projeto só está disponível em inglês, mas a Revista Pesquisa da FAPESP publicou um artigo em português que explica muito bem como o projeto funciona e seus objetivos - garantir o acesso a melhores políticas públicas para os moradores da região que, por ser submeapeada (entre outros motivos), acaba sendo invisibilizada.
“No caso da Rocinha, apenas 23% da extensão total de suas vias fazia parte do Google Street View. A baixa cobertura decorre do fato de que apenas essa fração das vias pode ser captada corretamente a partir de veículos automotivos”, explica o artigo da FAPESP.
As ferramentas de escaneamento 3D são alternativas mais apropriadas para registrar a morfologia de espaços urbanos com grande densidade de construções e muitas camadas sobrepostas, como é o caso das favelas.
Além do auxílio que o estudo pode fornecer para a elaboração de políticas públicas, o escaneamento pode servir como uma forma bem completa de registro histórico. Um exemplo - que vou deixar aqui só como curiosidade - é o escanemaneto da Nakagin Tower, no Japão. De autoria do arquiteto Kisho Kurokawa, a construção é um marco do Movimento Metabolista e data dos anos 1970. Ela está sendo demolida devido à deterioração de suas estruturas, mas o projeto 3D Digital Archive quer unir escaneamento 3d e dados de mais de 20 mil fotografias para preservar a obra em um ambiente de realidade virtual.
💭 para refletir
A relação entre design e memória
Temos o costume de dividir os artefatos em duas categorias: móveis e imóveis. Essa divisão, aceita a ponto de nem pararmos para pensar nela, está na base da separação que o senso comum faz entre arquitetura e design, entre outras coisas. Mas, será que existem mesmo objetos imóveis?
- Rafael Cardoso
É com esse trecho que Rafael Cardoso introduz o capítulo Contexto, memória, identidade de seu livro Design para um mundo complexo. A reflexão que ele propõe é a seguinte: há artefatos situados ao nosso redor aos quais atribuímos imobilidade, a ideia de que sempre foram e sempre serão os mesmos - ele usa como exemplo os Arcos da Lapa (shoutout pros meus colegas da Esdi).
O que os Arcos da Lapa representam hoje (um ponto turístico, um lugar para passagem do bondinho, etc) para os moradores ou visitantes do entorno pode ser (e no caso, é) completamente diferente do que representavam nos anos 1790, data de uma das representações visuais mais antigas dos arcos, uma aquarela. Mas há fontes, registros escritos e visuais sobre o passado desse artefato, certo? Então eles podem nos contar sobre isso. Mas não completamente.
Designers e outros profissionais muito ligados à produção visual tendem a se agarrar a imagens como janelas - nesse caso, para o passado. E no entanto, Cardoso afirma com todas as letras que o dilema mais profundo da conservação-restauração é “a plena consciência de que o passado não se recupera”. Dessa forma, o estudo dos objetos e dos ambientes pelo design e pela arquitetura sempre vai esbarrar na barreira da passagem do tempo, mesmo que alguns projetos tentem impedir, como a conservação em realidade virtual da Nakagin Tower. E ainda é cedo pra dizer se essas iniciativas serão bem sucedidas.
Design para um mundo complexo é um dos meus livros preferidos e, felizmente, o trecho que menciono aqui está disponível para leitura no Google Books.
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até a próxima terça!
- hele
👩🏻💻 curadoria e textos por hele carmona, jornalista & estudante de design
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