#77 tipografia pelo mundo: Japão
como é e como atua a tipografia em um país que não usa o alfabeto latino? eu fui atrás so you don't have to :) | tempo de leitura: 6 minutos
oie! seja bem-vinde a mais uma edição da makers :) eu sou hele carmona, jornalista & designer. na edição de hoje eu compartilho um pouco da minha exploração sobre tipografia no Japão. afinal, como é a tipografia em um país com um sistema de escrita completamente diferente do nosso?
✍️ O sistema de escrita japonês
De acordo com um artigo sobre o sistema de escrita japonês da pesquisadora francesa Émilie Rigaud, a escrita japonesa é composta por quatro tipos de caracteres: kanji, hiragana, katakana e, por vezes, o alfabeto latino pode ser incorporado.

Os sinogramas ou kanji foram “importados” da China para corresponder ao idioma japonês, por volta do século VI, e foram evoluindo de uma forma própria dentro do Japão. Esses caracteres designam o conceito da palavra, o significado. Os hiraganas são derivados do kanji, uma espécie de versão cursiva e mais rápida dos caracteres quando escritos à mão. Eles foram desenvolvidos pelas mulheres da corte imperial que eram responsáveis por escrever livros e conectam os kanjis e indicam seu papel gramatical na frase. Os katakanas também vêm do kanji. Eles eram inicialmente fragmentos de kanji usados como abreviações e são usados para palavras criadas a partir de uma língua estrangeira. Por fim, o alfabeto latino às vezes é incorporado para escrever siglas ou o título de um livro estrangeiro, por exemplo.
O sentido de leitura também é diferente da nossa: japonês pode ser escrito na vertical ou na horizontal. Na vertical, é lido de cima pra baixo e da direita para a esquerda, e na horizontal é lido da esquerda para a direita. Normalmente livros e jornais são lidos verticalmente, as páginas da internet são lidas horizontalmente e as revistas podem misturar as duas direções.
Se você está achando que são muitos caracteres… você está certo. E você se lembra dos primórdios da tipografia? Ela foi difundida com o desenvolvimento dos tipos gráficos de metal e aperfeiçoamento da prensa tipográficas pelo Gutenberg. Basicamente alinhar letrinhas pra formar páginas e imprimir - por sorte, o alfabeto latino básico tem só 26 letras. Mas o sistema japonês... Imagina a loucura que seria compor com todos os milhares de caracteres.
Foi por isso que entre o século XIX e o XX houve uma reforma no sistema, impulsionada por uma pressão para que o Japão fosse ““moderno”” como outros países. Foi necessário reduzir o número de caracteres: antes, uma sílaba podia ser representada por diferentes hiraganas. Eles decidiram manter apenas um hiragana por sílaba, e o resto deles caiu em desuso, sendo chamados de hentaigramas.
Se quiser se aprofundar, confira o artigo completo (em inglês): Kilograms of sinograms, por Émilie Rigaud.
🅰️ Uma brevíssima história da tipografia japonesa
Vou pedir licença pra citar diretamente outro artigo da Émilie Rigaud, sobre a evolução tecnológica da tipografia no Japão.
Enquanto na Europa os tipos móveis eram utilizados desde o século XV, isso não funcionou no Japão até o final do século XIX. Por muitos séculos o método mais comum era a xilogravura, que usa a madeira como matriz. Cada página de texto podia ser gravada em uma única tábua, sem a necessidade de muitas peças.
Mas com o crescimento da demanda por informação (e no século XIX, isso queria dizer jornais) os tipos móveis de metal se tornaram mais relevantes, porque podiam ser reutilizados - bastava que fossem reordenados e poderiam formar uma nova página, diferente da matriz de madeira. Assim, Motogi Shōzō, considerado o pai da tipografia no Japão, fundou a Fundição de Tipos Tsukiji em 1873, a primeira do país. Os caracteres tiveram que ser adaptados para a nova tecnologia, o que fez com que suas formas mudassem um pouco, especialmente os hiragamas, de origem cursiva.
Em 1924 surgiu a máquina de fotocomposição, ou phototypesetting. Nesse processo, os tipos são negativos (branco sobre preto) e ficam em um painel de vidro, e uma luz que incide sobre a matriz “imprime” o letreiro em papel fotossensível. A tecnologia foi se desenvolvendo ao longo dos anos e na década de 1970 começou a superar os tipos de metal.

As primeiras fontes digitais surgiram na década de 1970; elas eram em bitmap e utilizadas em wâpuro (processadores de texto japoneses) ou para sinalização eletrônica de trens nas estações. Depois vieram as fontes vetoriais, algumas delas tentando atender à demanda por tipos de letra que funcionassem tanto verticalmente quanto horizontalmente.
Mas afinal, quantos caracteres uma fonte projetada para o idioma japonês precisa ter? De acordo com Akira Kobayashi, tipógrafo japonês, pelo menos sete mil. Mas esse é o mínimo - para o Google Fonts incluir uma fonte em sua biblioteca eles estimam que são necessários 23 mil. Ou seja: projetar essas fontes dá muito, muito, muito mais trabalho. Para comparação, fontes projetadas para o alfabeto latino costumam ter menos de 300 caracteres.
🔠 quais são os estilos tipográficos no Japão?
Por aqui, nós aprendemos sobre alguns estilos: com serifa, sem serifa, manuscrito… e em japonês também existem os estilos principais:
Estilo Mincho ou Dinastia Ming (明朝): Essa é a fonte serifada deles, e é o estilo mais utilizado no Japão. Dá pra notar que esse estilo reproduz os traços de um pincel.
Estilo Gótico (ゴシック): Essa é a sem serifa, o segundo estilo mais utilizado. Não tenta simular pinceladas e tem traços com espessura uniforme.
Estilo Semi-cursivo (行書): Uma cursiva simplificada, na qual os traços 'fluem' mais. Este estilo é normalmente usado na escrita à mão, como cartas. A primeira das duas imagens mostra uma caligrafia “perfeita”, enquanto a segunda é um estilo muito mais fluido e natural.
Estilo Cursivo: A forma artística de escrita taquigráfica, com caracteres simplificados ou abreviados.
Em 2019 o Google Fonts tinha menos de 10 tipografias com suporte para o idioma japonês na sua biblioteca; mas a plataforma decidiu mudar isso, como mostra esse artigo do blog deles. Hoje, são mais de 50 famílias de fontes, um aumento significativo. Uma vantagem do Google Fonts é conhecer os designers/estúdios responsáveis pelas criações e ter acesso ao download gratuito de famílias inteiras :)
obrigada por ler até aqui :) essa edição é um reenvio (com alguns pequenos ajustes) das edições 10 e 11 da makers. na época, a newsletter tinha cerca de 250 inscritos - menos de 10% do total de hoje, então achei que valia a pena compartilhar o texto outra vez. como sempre, fique a vontade para responder esse e-mail. espero que esse possa sempre ser um espaço de troca.
Nossa, que legal ver esse tema tratado assim. Sou apaixonado por tipografia e pela língua japonesa. Muito legal! Obrigado 🙏
Que legal, adorei o texto! Você já fez essa série sobre a China também?