#64 trabalho criativo & o futuro
dois pontos para prestar atenção em 2024 e uma proposta para resiliência | tempo de leitura: 6 minutos
oie, bem vinde a mais uma edição da makers gonna make. chegamos à última edição do ano de 2023! obrigado a todos que acompanharam a makers nesse ano. acho difícil encerrar qualquer ciclo anual sem pensar no seguinte, e dessa forma essa edição é um pequeno compilado das questões mais complexas com as quais me deparei escrevendo sobre design no último ano; mas é também um convite para um futuro mais consciente e, quase paradoxalmente, também mais leve. vamos?
🍀 Responda a pesquisa da makers 2023 - tem prêmio :)
Montei uma pesquisa pra conhecer um pouco melhor os leitores da makers gonna make. Entender o que você gosta de acompanhar online vai me ajudar demais a planejar o ano de 2024, e perguntas demográficas como gênero e idade não são obrigatórias.
Como eu sei que ninguém curte responder formulários, pensei em um incentivo. Vou sortear uma pessoa entre os assinantes que responderem para ganhar o novo lançamento do clube do livro do design, Aprender de Coração, de Corita Kent - um “cruzamento entre manual, caderno de exercícios e uma reflexão sobre criatividade [que] propõe uma atitude: desafiar os medos, estar aberto a novas direções, reconhecer conexões entre objetos e ideias”.
🔮 Pensando no futuro do trabalho criativo
Para as edições 21 e 22 da makers, que marcaram a primeira virada de ano da newsletter, eu fiz uma tímida retrospectiva e preparei um material sobre tendências em design e criatividade. Tudo muito colorido, otimista e animado. Em 2023, não me sinto pessoalmente pessimista e não temo pelo meu futuro profissional, mas há dois pontos que me angustiaram ao longo desse ano e não vão embora tão cedo: (1) o avanço desregulamentado das ferramentas de Inteligência Artificial e (2) a precarização do trabalho criativo de maneira geral.
Entre junho e julho de 2023, me dediquei a escrever sobre Inteligência Artificial com foco nas ações das pessoas e empresas desenvolvedoras responsáveis pelas ferramentas mais populares na época: OpenAi e Midjourney. O que pude constatar é que eles seguem o já conhecido mote do Vale do Silício: peça desculpas, não peça permissão. Embora o avanço de ferramentas que usam inteligência artificial - principalmente as geradoras - seja impressionante, o ponto difícil de ignorar é que ainda não há qualquer legislação vigente regulando nem a atuação dessas empresas e nem o uso “civil” das ferramentas que elas oferecem.
Leia meu artigo A responsabilidade de um criador, publicado em agosto/2023 na Revista Recorte
O discurso do progresso e da maximização da produção (seja ela criativa, comercial ou qualquer coisa no meio disso) se sobrepõe a direitos básicos como privacidade, acesso a informação (verdadeira!) e condições dignas de trabalho. Não existe Inteligência Artificial sem trabalhadores precarizados atuando de maneira invisível (ou invisibilizada) para treiná-la ou tendo seu trabalho inserido em bases como referência sem consentimento; diante disso, me espanta ainda ver colegas de área sustentando um discurso liberal-instrumentalista de que “é só mais uma ferramenta” e que profissionais criativos devem “se aliar” acriticamente ao que surgir tentando não ficar para trás.
O que me leva ao segundo ponto: a precarização geral do trabalho criativo. Não foi fácil ler Emprecariado, de Silvio Lorusso e não entrar em pânico. Uma passagem me chamou atenção:
“Aqueles que hoje têm vinte ou trinta anos estão visceralmente conscientes de que o centro de gravidade da sua identidade profissional está dentro de si, e não nas empresas com as quais colaboram em circunstâncias passageiras. É o que a antropóloga Ilana Gershon chama de “economia da demissão”.
Eu nem saí da faculdade de design e já sinto isso - e sei que a mesma incerteza afeta profissionais de outras idades. Pessoas com carreiras muito mais avançadas também enfrentam o medo da instabilidade, a incerteza de uma promoção, a dúvida sobre qual próximo passo dar, qual especialização escolher, qual novo desafio aceitar.
Qualificação formal já não garante bons empregos, bons salários e nem qualquer estabilidade. A precarização chegou a um ponto extremo onde, independente de estar inserido dentro de uma grande organização, ainda somos “empreendedores de nós mesmo”, individualmente responsáveis por cada passo. E também cada passo em falso.
Essas duas situações parecem imparáveis, e qualquer atitude efetiva em relação a elas depende de organização e mobilização coletiva. Como o próprio Silvio Lorusso escreve no último capítulo de Emprecariado, Estratégia de fuga: “qualquer saída que envolva apenas o indivíduo está fadada ao fracasso. Qualquer solução individual resulta em autoajuda e, portanto, em mera vantagem competitiva”. E mais a frente:
“Assumir impotência não significa desistir. (…) Impotência implica uma trégua, significa depor as armas da competitividade e da ação estratégica. Se o espírito empreendedor visa suprimir todas as expressões de desânimo, o espírito precarizado faz dele um horizonte compartilhado, deixando entrar não apenas entusiasmo, mas também sentimentos negativos e paixões tristes. Importência não é uma expressão de cinismo, mas um modo de renunciar a um ascetismo perverso, a uma infinita suplantação de si contra si mesmo”.
Mas, apesar disso, a angústia pessoal não some. O medo da incerteza, embora coletivo e generalizado, ainda pode doer em cada um. Como não se deixar consumir por pensamentos catastróficos? Pra mim, uma saída possível é desviar o olhar.
🌌 O trabalho & todo o resto
É claro que não estou sugerindo ignorar essas questões e só ver no que vai dar - eu mesma não conseguiria. Mas se o colapso do mundo do trabalho se assemelha a um colapso das nossas vidas é porque estamos inseridos em um contexto em que o trabalho substituiu a vida. Em que o sucesso ou o fracasso profissional é a coisa mais definidora de sucesso ou fracasso pessoal. Você pode ser uma pessoa saudável, com família e amigos queridos e apaixonada por seus hobbies, mas só é considerada bem sucedida se for profissionalmente bem sucedida.
Decidi, na minha própria concepção de rebeldia, prestar mais atenção aos meus hobbies. Aprender coisas novas sem o intuito de aproveitar essas habilidades profissionalmente. Desenvolver mais projetos pessoais. Não faltar na academia pra adiantar um job. Priorizar meus relacionamentos. Se um dia o trabalho criativo de fato colapsar eu vou ficar devastada como qualquer outro, vou sofrer com as consequências financeiras e emocionais, ainda que não só individualmente. Mas se meu trabalho não for o centro da minha vida então eu vou ser pelo menos um pouco mais feliz do que se ele fosse. Se eu perder quase tudo pelo menos não vai ser tudo.
Se impedir um futuro ruim parece impossível, quero que ele seja pelo menos mais suportável. E não é o trabalho que vai fazer isso por mim. É todo o resto.
obrigada por ler até aqui! e chegar não só ao final dessa edição, mas ao final de mais um ano de newsletter. a makers gonna make volta em janeiro, então já vou desejando boas festas para todes! como sempre, fique a vontade pra deixar um comentário ou responder esse e-mail :) e não esquece de preencher a pesquisa, hein? vai me ajudar demais a continuar tocando o projeto no ano que vem!
muito bom! acho que essa ansiedade, esse medo generalizado, é o nosso maior desafio enquanto geração. como fazer pra perder o deslumbre que tínhamos de um futuro brilhante que não veio, e que deu lugar a um muito mais agridoce.
adorei a edição! sem dúvida um dos temas mais relevantes que temos a enfrentar; sendo da geração millenial, uma grande questão que entendo que surge é - se o trabalho não é tudo, precisamos reinventar, talvez, nossa própria identidade...