#61 zines: o que são e por que criar a sua
um pouco da história e características da minha mídia impressa favorita | tempo de leitura: 7 minutos
olá, seja bem vinde a mais uma edição da makers gonna make :) se você está por aqui há algumas edições, você já deve saber sobre as zines que são enviadas como recompensas para os apoiadores da newsletter. eu escolhi produzir zines e não qualquer outro tipo de mídia porque esse formato me fascina: é independente, artesanal e muitas vezes associado à luta de causas sociais. as zines nascem muito mais da paixão pelo que se faz e o que se tem a dizer do que qualquer outra coisa. nessa edição fiz uma pequena recapitulação histórica e listei algumas razões pelas quais eu acredito que qualquer pessoa pode (e deve) fazer uma zine, pelo menos uma vez na vida. vamos?
Disclaimer: Você pode se referir a zines no feminino ou no masculino. Eu falo dos dois jeitos, mas pra coerência vou usar apenas o feminino em toda essa edição.
👩🎨 Independente, pessoal e artesanal
As zines são um tipo de mídia impressa bastante específico, não tanto pelo formato escolhido ou pelas técnicas utilizadas, mas pelo contexto social em que surgem. A característica mais importante sobre elas é que são uma forma de autopublicação, ou seja, são independentes. A genealogia das zines é um pouco complexa e pode ser traçada a partir de duas sementes no início do século XX: as little magazines e as fanzines.
Little magazines foram publicações efêmeras produzidas por artistas negros nos anos 1920 que queriam se expressar de forma mais livre e independente; a primeira foi a Fire!!, que teve apenas uma edição, mas inspirou a produção de outras little magazines na comunidade artística.
A primeira e única edição da Fire!! foi publicada em 1926 durante o período conhecido como Harlem Renaissance por Langston Hughes, Zora Neale Hurston, Wallace Thurman, Aaron Douglas, Richard Bruce Nugent, Gwendolyn Bennett e John P. Davis. A publicação está em domínio público e pode ser acessada na íntegra aqui.
Já as fanzines foram boletins impressos editados por fãs de histórias de ficção científica e quadrinhos a partir dos anos 1930. Alguns dos títulos mais importantes da época foram a Time Traveler e a Science Fiction. Como é possível inferir pela nomenclatura, essas publicações eram elaboradas dentro de um contexto de fandom, em que fãs publicavam e trocavam correspondências com resenhas, novidades e contos próprios. No Brasil, a primeira fanzine sobre quadrinhos (e uma das primeiras em geral) é atribuída ao desenhista piracicabano Edson Rontani em 1965. Além disso, as fanzines continuariam populares nas décadas seguintes também na cena da música, em especial no movimento punk.
Mas o formato acabou se expandindo para além dos fandoms. No artigo “Atualização da concepção sobre aquilo chamado de Zine”, o autor Omar Alejandro Sánchez Rico defende que as zines se diferem das fanzines a partir da “capacidade dos indivíduos de criar as suas próprias narrativas, de gerar conhecimento, tomando por fonte de inspiração o próprio cotidiano, subjetivando-se, sem uma influência direta da indústria do entretenimento midiático”.
A forma segue o orçamento
Inseridas no contexto da autopublicação, troca e distribuição ampla como uma forma de espalhar ideias, as zines podem ser distribuídas gratuitamente ou vendidas, normalmente a preços bem baixos. O objetivo da venda de zines não é o lucro, e costuma apenas cobrir custos de produção ou no máximo ser aplicado na causa da qual a zine faz parte; elas são produzidas mais pela paixão do que pela intenção de ganhar dinheiro. Não que não seja possível, mas provavelmente há formas mais eficientes de levantar uma grana do que produzir revistinhas manualmente e vendê-las uma a uma (acredite, eu sei!).
As zines foram uma das primeiras formas (já que surgem pré-internet) que artistas, escritores e militantes tiveram de se autopublicar, espalhar seu trabalho e suas ideias, e isso foi revolucionário uma vez que a escassez de recursos não precisava ser um impedimento. E o fato de não serem rentáveis e não possuírem um objetivo comercial é relevante porque influencia muito na sua forma física.
Todo mundo tem algo a dizer sobre si, sobre a sociedade, sobre as próprias paixões. Poucas pessoas contam com alta habilidade técnica para diagramar, ilustrar e montar uma publicação independente, e talvez menos ainda contem com grandes recursos monetários para financiar materiais e processos gráficos. Mas isso nunca impediu os produtores de zine, e eu espero que não impeça nunca.
Retornando ao artigo de Omar Alejandro:
“O processo de impressão e encadernação é feito geralmente de um modo não industrializado, ou seja, a maior parte da confecção acontece na casa dos próprios autores, com técnicas artesanais e de baixo custo: amplo uso de fotocopiadora, impressora laser, serigrafia e costura manual ou com grampeador.”
Mais a frente no texto, ele cita uma outra produtora de zines, Andrea Días Cabezas, que diz:
“A precariedade técnica dos zines é mais uma virtude do que um handicap. (...) fazer algo lo-fi ou com poucos meios não significa nem deixar de fazer alguma coisa ou que seja má-feita”.
Há muitas formas de tornar sua zine interessante que não necessariamente envolvem gastar mais. Em “Make a zine!, When words and graphics collide!”, Bill Brent e Joe Biel citam uma zine sobre dentistas que foi costurada com fio dental; na elaboração da primeira zine da makers gonna make, eu queria cores vibrantes que minha impressora doméstica não podia imprimir, mas sabia que as impressões numa boa gráfica ficariam muito caras. Então trouxe mais cor pro impresso usando papel Chamequinho rosa, o que acrescentou apenas 2 reais ao orçamento total.
Podemos recorrer ao uso de papéis coloridos, à mistura de diferentes papéis, ao uso de linhas de costura diferentes e até mesmo a processos de impressão alternativos como a linóleogravura; ou ainda a formatos mais complexos, como o turkish fold (ainda não encontrei a coragem pra enfrentar essa dobradura). A melhor forma de encontrar soluções gráficas para a sua zine é procurar por outras, entender o que te atrai nelas e como você pode atingir um resultado legal mesmo que não possa usar a mesma técnica. Nesse ponto vai haver muita tentativa e erro, mas é parte do processo. Não é à toa que Omar Alejandro afirma que “o valor [da zine] está na experiência de ter conseguido realizá-la”.
Por que criar um zine?
Para Omar Alejandro, zines nos convidam a ser criadores da história, e não meros espectadores.
Para Bill Brent e Joe Biel, elas nos permitem encorajar outros de maneira criativa, fazer amigos e criar o tipo de publicação que sempre desejamos que existisse.
Pra mim, produzir zines a partir dos meus textos (sobre design, uma das minhas paixões) é uma forma de honrar o tempo que dediquei a eles. É que a internet, por mais divertida que seja, ainda é rápida demais. Eu sei que há autores e leitores que encontram no formato newsletter uma oportunidade de consumo de informação mais lenta, mas ainda há a questão da “novidade”. Nas zines publico textos que nem inéditos são, mas que ganham uma nova forma para serem lidos, uma forma física que como um livro pode ser revisitada sempre que alguém quiser (ou pode ficar guardada por anos, também como um livro, enfim). Pode ser só impressão (trocadilho não intencional!), mas ainda sinto que as coisas que mais me movem merecem chegar ao papel.
Mas você não precisa de nenhum desses motivos para criar a sua zine sobre um assunto que você ama. Só vontade é suficiente :)
No dia 9 de novembro, às 14h, vou ministrar uma oficina na Esdi sobre formatos de zine. Essa oficina se concentrará em aspectos formais, explorando os principais tamanhos e técnicas de montagem para pequenas publicações. Caso você não seja do Rio ou não possa comparecer nessa data, também estou abrindo um formulário para registro de interesse para uma turma online.
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Eu escrevo a makers por amor, é verdade. Mas para manter a produção de textos semanal e explorar novos formatos, como materiais impressos e entrevistas com outros designers, seu apoio pode ser essencial :)
Contribua através do apoia.se e receba de presente um exemplar da zine “A responsabilidade de um criador”, que está em processo de reimpressão. E se você estiver se sentindo especialmente generoso, me dê um livro de presente :)
obrigada por ler até aqui! como sempre, fique a vontade para responder esse e-mail se quiser conversar, compartilhar algo ou até mesmo criticar algum ponto da newsletter. ah, e se você acha que algum amigo/a pode se interessar por esse texto ou pela oficina de zines, compartilhe a newsletter!
Fui googlar a turkish fold e era justo a que eu tinha imaginado! Agora já quero fazer também, me lembrou os tempos em que era viciado em fazer origami. Amei a edição!
(Na torcida aqui pela oficina online, depois daquela primeira zine — inclusive obrigado pelas dicas — ando cheio de ideias...)
Edição pra salvar, hele! Adorei demais!