#56 transformando números numa história
dois livros sobre a criação de gráficos + uma espiada em um projeto pessoal | tempo de leitura: 8 minutos
oie, bem vindo a mais uma edição da makers gonna make :) na semana passada eu compartilhei no instagram um conjunto de infográficos que criei para representar a experiência de fazer uma trilha de 100km. várias pessoas me perguntaram sobre como eu criei as visualizações, então decidi compartilhar os livros que mais gosto sobre o assunto (e me inspiraram de alguma forma) e um pouquinho sobre como tomei as decisões pro meu projeto. vamos?
🎬 mas antes: vai estar no Rio em 22/09? vai rolar uma Cineparty na Esdi com o objetivo de arrecadar fundos pra realização do Pavão, um evento de Design e Cultura promovido pelos alunos da graduação - eu inclusa :) bora? 🎬
📖 Uma história pra contar
“Storytelling” é a palavra da moda há algum tempo na internet; como se contar histórias não fosse a coisa mais primitiva da face da terra. Mas é difícil não concordar com a máxima do livro Storytelling com dados (2015), de Cole Nussbaumer Knaflic: se você quer ou precisa apresentar uma série de dados ou estatísticas para alguém, uma forma de tornar o processo menos entediante é entender a narrativa que esses dados criam, e apresentar uma história - e não apenas os dados em si.
Talvez você já tenha uma história, como era o meu caso: eu fiz a trilha. Podia só escrever sobre isso ou montar um álbum de fotos, mas eu já estava há um tempo esperando uma oportunidade legal, não-acadêmica e não-profissional para criar alguns gráficos. Mas talvez você esteja só olhando pra um monte de planilhas sem saber o que fazer. Nesse caso, vale a pena criar alguns gráficos para tentar justamente encontrar o que tem de curioso ali. Como a Cole diz no livro:
“(…) há uma distinção importante a fazer entre análise exploratória e explanatória. A análise exploratória é a que você faz para compreender os dados e descobrir o que pode ser digno de nota ou interessante a destacar para outras pessoas. Quando fazemos uma análise exploratória, é como procurar pérolas em ostras. Talvez precisemos abrir 100 ostras (testar 100 diferentes hipóteses ou examinar os dados de 100 diferentes maneiras) para encontrar, digamos, duas pérolas.
Quando estamos a ponto de comunicar nossa análise para nosso público, queremos estar no espaço explanatório, significando que você tem algo específico que deseja explicar, uma história específica que deseja contar — provavelmente sobre aquelas duas pérolas. Com muita frequência, as pessoas se enganam e pensam que podem mostrar uma análise exploratória (simplesmente apresentar os dados, todas as 100 ostras), quando deveriam mostrar a explanatória (dedicar tempo para transformar os dados em informações que possam ser consumidas por um público: as duas pérolas).”
Ok, mas e se não tiver um história? Honestamente, não tenho um conselho. Mas considere que se não há nada a dizer, talvez seja melhor não dizer nada mesmo - nem tudo precisa virar um gráfico.
📊 As boas práticas
Uma vez definida - ou encontrada - a história, podemos partir para a criação dos gráficos em si. Ainda no mesmo livro, Cole define algumas boas práticas gerais para a criação de gráficos que funcionam. E aqui “funcionar” quer dizer que eles transmitem informações claras e não confundem o público. Algumas delas são:
Forneça contexto: use os títulos, legendas e pequenos textos de apoio para fornecer um contexto geral para o público.
Foque no que importa: essa deveria ser mais óbvia, mas eu entendo porque não é. Na minha trilha eu coletei muiiitos dados, e isso deu trabalho. Aí dá vontade de expressar todos eles, mas a verdade é que alguns são mais e importantes para narrar a experiência do que outros. Destaque os elementos mais importantes com recursos visuais diversos (e às vezes combinados): cores, tamanhos, formatos.
Elimine elementos desnecessários: esqueça grades e fios, ou torne-os os mais discretos possíveis. Não represente dados que não tem relevância para a história que o seu gráfico conta, mesmo que você os tenha coletado.
Escolha um tipo de gráfico que valorize o que você está tentando dizer. Todo tipo de informação pode virar um gráfico de barras ou de pizza - mas será que essa é a melhor forma só porque é a mais simples de criar?
É no último ponto que nasce minha principal (e acho que única) ressalva com o livro. Storyelling com dados não é um livro escrito para designers e nem para profissionais criativos, e sim para profissionais de negócios que provavelmente falam com equipes e gestores de áreas predominantemente administrativas e burocráticas. Isso o torna uma ótima leitura para designers mesmo assim porque dá uma excelente perspectiva de como um público leigo em termos de design vai perceber suas visualizações; mas por outro lado, ele se apoia demais na simplicidade dos gráficos como um elemento chave - e coisas simples demais às vezes são só entediantes. Fica bem claro ao longo do livro a preferência de Cole por gráficos de linha: ela demonstra muito bem como há gráficos de linha brilhantes e outros muito ruins, porque no fim, qualquer tipo de gráfico pode ser melhorado (ou piorado, infelizmente). Mas eu me sentiria uma designer péssima se criasse oito gráficos de linha sobre minha trilha, mesmo que essa seja a visualização mais “amigável” para quem vai olhar pra eles.
Muitas vezes o discurso da facilitação subestima os espectadores: eu quero criar gráficos compreensíveis, mas eu quero acreditar na inteligência dos outros e criar coisas interessantes também. Em How charts lie (2019), Alberto Cairo, jornalista e designer de informação, escreve o seguinte:
“Muitos de nós aprendemos na escola que todos os gráficos devem ser dóceis, para que possam ser decodificados com um olhar rápido, mas isso não é realista. (…) Particularmente os que contém mensagens ricas e profundas podem demandar tempo e esforço, que vão compensar se o gráfico for bem projetado. Muitos gráficos não podem ser simples porque as histórias que eles contam não são simples.”
O desafio, então, é encontrar um equilíbrio entre histórias interessantes e a compreensão efetiva delas através da visualização de dados.
💡Buscando inspiração
Minha amiga Madu é apaixonada por visualização de dados e sempre fala disso (o que eu acho ótimo), daí um dia ela me contou sobre o trabalho da Giorgia Lupi, designer italiana que produz visualizações de dado incríveis. Ela e Stefanie Posavec, também designer de informação, se dedicaram por um ano ao projeto Dear Data.
Elas conduziram um experimento que consistia em observar as próprias ações e entornos, registrar o que acontecia e depois desenhar manualmente visualizações em cartões postais, enviados de uma para a outra ao fim da semana registrada.
Diferente de Cole Knaflic, elas guardaram a simplicidade no bolso para produzir visualizações experimentais, criativas e interessantes. Veja bem, não é uma questão de ser melhor ou pior: os objetivos são diferentes. Para Cole, o importante é passar uma mensagem para parceiros de negócio. Para Giorgia e Stefanie, o objetivo era testar, experimentar, inventar coisas novas. Eu fiquei fascinada e, quando tive a ideia de representar a trilha em gráficos, mostrei o livro com todos os cartões postais das duas pro meu pai e disse que certamente me inspiraria nelas. E ele me perguntou “mas você acha que é fácil pra uma pessoa entender esses gráficos?”
Alguns sim, outros não. Mas será que isso é a coisa mais importante? Eu não me interesso por nada só pela facilidade. Entendo que esse é um ponto controverso; mas como eu disse, eu não quero subestimar o meu público. Com as legendas, eu consegui entender cada gráfico do Dear Data; e o fato de eles não serem gráficos de linha ou barra em tons de cinza e azul certamente tornaram sua leitura muito mais divertida.
Mas eu também não sou nenhuma Giorgia Lupi ou Stefanie Posavec, e essa foi minha primeira vez criando gráficos mais complexos. Então tentei encontrar um meio termo entre as duas leituras, Storytelling com dados e Dear Data.
✍️ “Bastidores” do meu projeto
Durante meu processo criativo, segui alguns princípios do livro de Cole: tentei me livrar dos grids e desapegar da vontade absurda de usar todos dados coletados. Também me esforcei ao máximo para manter a consistência: eu não produzi um gráfico, mas oito. Como todos falavam de uma mesma experiência, alguns temas se repetiam ou se complementavam, e eu usei as cores para criar essa continuidade.
Ao mesmo tempo, me esforcei para pensar em um tipo de gráfico diferente para cada recorte repesentado. Alguns são mais conhecidos, um eu peguei emprestado do Dear Data e outros eu inventei da minha cabeça mesmo. Também fiz questão de usar várias cores onde fizesse sentido, e escolher cores coloridas - só porque eu gosto e o projeto é meu. Autoria é uma coisa incrível :)
Ao longo do processo, eu também me esforcei pra criar uma narrativa. Comecei com um gráfico sobre o que levamos nas mochilas - informações que tem um quê de preparação - depois o trajeto e o que (e quem) encontramos por lá.
Se você quiser conferir o resultado final dos oito gráficos, eu compartilhei eles no Behance. Depois de ter as visualizações prontas, eu as preparei para impressão, encadernei e montei um livrinho, porque é isso que eu amo fazer hehe.
obrigada por chegar até aqui! como esse foi um projeto que exigiu bastante bibliografia, achei que valia um edição (além disso, alguns leitores pediram :P). como é a sua relação com gráficos, lendo ou criando eles? fique a vontade para responder esse e-mail ou deixar um comentário me contando. se você gostou da edição, compartilhe com alguém que vai aproveitar essa leitura também :)
Que News maravilhosa. Quanta inspiração! Obrigada, Hele.
Cara, eu AMEI isso. Parabéns pela ideia e pela criatividade (enquanto lia os gráficos, senti como se tivesse embarcado nessa jornada com vocês)