#53 entrevista: Thaís da inóbvia
trazendo novas vozes para a newsletter :) | tempo de leitura: 11 minutos
olá! essa edição está inaugurando um novo formato por aqui: conversa/entrevista. falei com a Thaís Ferraz, da inóbvia, uma marca de bolsas que eu amo acompanhar por sua autenticidade e pegada inovadora. tentei fugir um pouco do formato ping pong de pergunta e resposta e espero que você goste da leitura. ah! e se você tiver alguma sugestão de entrevistado/a para a próxima entrevista, ou se sentir vontade de contar sua própria história aqui na makers, responda esse e-mail ou entre em contato através do formulário anônimo.
Quem é a criadora Thaís Ferraz?
Eu conheci o trabalho da Thaís na inóbvia quando trabalhei com uma influencer de moda que fala muito sobre consumo consciente, e comecei a repensar o meu guarda-roupas, minha noção de estilo e de “atemporalidade”. Entendi que a ideia de peças que “combinam com tudo” depende na verdade do meu armário e não na neutralidade arbitrária das peças pretas ou caramelo - com meu guarda-roupas que não tinha 1 peça de roupa preta, uma bolsa preta não combinaria com nada. E foi aí, buscando acessórios que conversassem com meu estilo “criativo” que eu conheci a marca.
A Thaís é a responsável pela marca-de-uma-mulher-só (por enquanto!) que tanto me maravilhou. Com modelagens, cores, texturas e materiais que fogem do padrão, a inóbvia cumpre o que o nome promete. Por mais que as peças variem dentro de um espectro de mais normal e mais diferentona, a atenção aos detalhes e a autoralidade visível tornam essa marca uma joia pra quem se interessa por design e estilo num mundo que às vezes parece cada vez mais disposto a comprar de fast fashions. Tive a oportunidade de conversar com a fundadora, idealizadora e designer de todos os modelos da marca e compartilho aqui o que trocamos de mais valioso :)
Uma marca de uma mulher só
A coisa que eu estava mais curiosa pra saber da Thaís é como ela faz pra fazer a inóbvia rodar sozinha, desde o atendimento ao cliente até a produção de cada peça. A intenção não é romantizar uma situação que pode ser muito desgastante, mas mostrar como ela tem conseguido: com muito foco e organização.
“Eu faço tudo sozinha! No início do ano que vem eu pretendo contratar uma pessoa pra ser meu braço direito, mas é bem complexo. Além do que eu mostro no Instagram tem outras tarefas que fazem parte do dia a dia, coisas burocráticas, a “parte chata”. É muita sobrecarga e às vezes é difícil organizar tudo. Eu faço de forma um pouco mais intuitiva de acordo com o que é prioridade. Todo dia são umas 10, 11 horas de produção [de bolsas], e depois mais umas 3 horas pra focar em atendimento, conteúdo pras redes sociais, alguma coisa de marketing…”
[Hele, completamente chocada] Que pesado! É assim desde o início da inóbvia? Há quanto tempo você concilia isso?
“Sim, desde o início, fez um ano agora. Só consigo fazer tudo porque dedico muitas horas e me organizo muito bem. Se você deixa pra resolver no dia o que você precisa fazer, você acaba se atropelando. Eu evito ao máximo ter distrações na produção, é um momento em que eu fico muito imersa e isso também ajuda a fazer a série de produção ser mais ágil.”
O processo criativo além do dia a dia de produção
[Hele] E o processo criativo pra criar modelos novos? Você tem algum processo ou cronograma pra adicionar uma bolsa na família inóbvia?
“Essa parte é uma bagunça! [risos] Eu tenho cadernos espalhados por todos os lugares que eu circulo, porque isso vai borbulhando o tempo todo, principalmente na produção. Se eu to fazendo uma alça e aí junto com uma ferragem, um aviamento… Eu to ali brincando e de repente deu certo! Aí eu paro e anoto. Quando eu sento pra pensar um novo modelo, eu retomo as ideias e vou vendo essas coisas que ficaram soltas, quais se encaixam melhor…
Mas justamente por ser sozinha, não dá pra ter um cronograma. Pra você ter uma ideia, eu tenho um modelo que ainda não foi lançado que foi desenvolvido em outubro do ano passado! É algo que eu até evito [de divulgar] porque a modelagem é o processo mais sensível, é o que vai dar vida pra peça. Pelo menos eu acho que fica curioso pra quem acompanha porque pode surgir uma coisa nova a qualquer momento!”
O valor das experiências
Também pedi pra Thaís me contar mais sobre sua trajetória antes da inóbvia. Apesar de não ter estudado design ou confecção de bolsas formalmente, parece que todas as experiências da Thaís foram programadas pra que ela fundasse a marca um dia. Desde a infância…
“Eu sempre fui muito curiosa, desde pequena. Meu pai era fotógrafo, tinha uma agência de modelos, fazia filmagens… A minha mãe trabalhava com uma parte bem artesanal de festas infantis, ela fazia esculturas em isopor e pintava - algo que parece muitos com o que eu faço hoje, mas com outro produto. Sempre me apoio nisso pra ter inspirações. Por mais que eu faça um produto final utilitário, um bem de consumo, eu bebo muito dessas outras fontes.”
Até experiências profissionais:
“Trabalhei no varejo desde os 16 anos de idade e sempre tive vontade de ter a minha marca, mas nunca tinha identificado com o que exatamente. Eu não queria criar uma marca por criar, sabe? Não queria que fosse “mais uma marca” aí no mercado.
Eu trabalhei na Prada, especificamente na Miu Miu, e foi lá que eu tive um contato mais próximo com bolsas. Lá eu me apaixonei por esse universo. Como eu tive contato com a maneira de produção de fora, que era muito diferente do que tinha aqui [no Brasil], e é um mercado de alto luxo, as coisas eram muito diferentes.
É por isso que eu gosto muito de mostrar os bastidores; quando eu lancei [a inóbvia] era difícil você ver uma marca de bolsas que realmente mostrasse o processo de produção. Conforme eu fui descobrindo o que tinha por trás eu pensei “É legal que as pessoas saibam exatamente o que elas estão comprando”.”
E até quando parece que não tem nada a ver, as experiências podem somar no processo criativo.
“Tive uma pausa de dois anos em que eu trabalhei com música, eu cantava e passei por duas bandas. Foi uma época que eu tive bem rock n’ roll de estrada - e foi uma coisa muito legal que me trouxe ainda mais pra perto dessa coisa artística, criativa, me deu essa coisa de pensar fora da caixa.”
A criatividade pode vir de qualquer lugar
Perguntei pra Thaís qual conselho ela daria para alguém que quer trabalhar com criatividade - em qualquer segmento mesmo. Ela foi super enfática sobre buscar experiências diferentes pra estimular a cabeça:
“Acho que a primeira coisa é pensar: pra onde você quer ir? Eu acho que quando você tenta pensar na contramão você tende a ser mais disruptivo, mais ousado, e com isso trazer mais inovação.
Eu diria pra não consumir e não fazer sempre as mesmas coisas, não só pro trabalho, mas pra tudo na vida. Tente olhar pra coisas diversas, estar em ambientes onde não necessariamente você se sinta confortável e observar MUITO tudo ao seu redor. É importante furar a bolha.
Pra me inspirar, gosto de jogar videogame, andar de bike, ir à exposições de arte, fazer wakeboard, ficar em casa vendo filme, brincar com meu cachorro, fazer jardinagem… Parece besteira, tanta coisa desconexa! Mas já aconteceu de eu fazer uma embalagem a partir de um lembrança que eu tive de uma tela de videogame.
A criatividade não vem do nada, são as experiências que você tem ao longo da vida e a forma que você olha pra elas.
Quanto mais você estimula isso, mais você guarda nessa caixinha de referências, sem precisar olhar pro que o seu concorrente tá fazendo.”
Aprender com os erros dos outros e aproveitar as oportunidades
Antes da inóbvia, a Thaís precisou juntar algum dinheiro pra investir e se manter no início da marca - afinal, começar uma marca de bolsas exige compra de material, muitos testes, algumas perdas… Ela passou dois anos trabalhando com cliente oculto, treinando pessoas para se passarem por clientes e avaliarem o atendimento e os processos das marcas que contratam esse tipo de consultoria. Depois de passar muito feedback pras empresas - e vários desses negativos - ela entendeu o que não queria de jeito nenhum para a inóbvia.
“Eu sempre gostei muito de entender o lado do consumidor: por que que ele compra, como ele pensa, etc. O que eu acho que mais me ajudou nesse aspecto foi aprender com as outras empresas, tanto as que eu passei trabalhando como vendedora quanto quando trabalhei com cliente oculto, que foi onde eu mais pensei “é isso que eu não tenho que fazer na inóbvia”. São coisas que podem parecer muito simples, como humanizar o primeiro contato com o cliente, ou organizar o seu CRM (gestão de relacionamento com o cliente). Básicas, mas que não são feitas pela maioria das empresas, mesmo falando de marcas e empresas muito grandes, que tem capital pra investir nisso.
Isso me levou a trabalhar absurdamente focada na experiência. Preciso que o cliente sinta que ali ele é realmente importante, que ele não é só mais um número, não importa se a pessoa vai comprar um porta-cartão ou a coleção inteira. O que me importa é o sentimento que ela vai ter.
Foi isso o que eu pensei: eu preciso aproveitar o que é desperdiçado pelos outros.”
Deixe que as pessoas te encontrem
Eu e Thaís também conversamos sobre como a ferramenta da “persona”, principalmente na moda, acaba cerceando a expressão de algumas pessoas por fatores demográficos - gênero, idade, classe social… Pode ser um pouco difícil desafiar essa lógica dentro do mercado, mas às vezes criar algo autêntico é suficiente para atrair as pessoas certas, que se identificam com o que você faz (incluisve, é isso que tento fazer com a makers desde o início :P).
“Eu quis deixar muito aberto o lançamento da marca para que eu não criasse um viés - como a maioria das marcas fazem - de criar uma persona. Eu poderia ter nichado meu público pro público vegano, por exemplo (porque a inóbvia não usa nada de origem animal). Ou eu poderia ter direcionado minha comunicação só pra essas pessoas “mais criativas”. Não to dizendo que tá certo ou errado, mas a partir do momento em que eu deixei isso aberto, a única estratégia que eu tinha era que o meu cliente tinha que se sentir especial.
Eu não queria focar em um público, eu queria que as pessoas chegassem até mim e me dissessem quem elas eram.
[Não trabalhar com persona] é uma fórmula que não vai funcionar para todas as marcas, mas eu não queria excluir ninguém. Quando trabalhei em outras marcas, eu vi situações de exclusão que pra mim são inadmissíveis, eu não quero nunca repetir isso.”
Bohinc: o case da bolsa “projetada” pelo Midjourney
A Thaís jamais buscaria inspiração pra criar bolsas olhando pra… outras bolsas. Além de peças inspiradas por obras de arte e de arquitetura, recentemente ela decidiu lançar um modelo inspirado nos móveis do Studio Bohinc, fundado por Lara Bohinc. Mas ela decidiu acrescentar uma camada de complexidade a esse modelo: gerar o visual da bolsa através do software Midjourney.
“Eu já estava interessada nessas ferramentas desde as primeiras versões do ChatGPT, há alguns anos, e um dia eu decidi tentar criar uma bolsa com ajuda da Inteligência Artificial. Eu comecei pelo ChatGPT pra gerar o texto do prompt, e depois instrui o Midjourney: “eu quero que você produza [a imagem de] uma bolsa minimalista, que não tenha ferragens, monocromática, grande, e inspirada nos móveis do estúdio Bohinc. É claro que [o software] não tem ideia do que você pode fazer no físico, só que pra minha surpresa calhou de a gente já usar um material que funcionaria pro caimento da bolsa, mais estruturada, mais encorpada. Foram 3 meses fazendo o molde até ela ficar perfeita, prontinha, e foi legal que deu certo de o modelo ficar muito semelhante ao prompt. Então foi uma experiência muito legal!
A parte mais difícil foi conseguir fazer a alça acoplada no corpo, porque ela é uma peça única… porque a IA cria a partir das referências, mas ela jamais vai pensar como você vai costurar, como você vai modelar. E aí é onde entra a parte humana. Foi “pensado pela máquina”, mas desenvolvido de fato pelo homem. Eu achei que foi muito complementar, e foi um resultado que me surpreendeu.”
Spoiler: a Thaís também me contou que tem outro modelo gerado com o Midjourney, inspirado na arte do origami. Mas esse modelo ainda não está com a modelagem pronta e não tem data prevista pra lançamento :( Vamos aguardar!
obrigada por ler até aqui :) se você gostou do trabalho da Thaís, pode comprar sua inóbvia no site, ou acompanhar a produção mais de perto no instagram da marca. se tiver um tempinho, responde esse e-mail ou deixa um comentário me dizendo o que achou do formato de entrevista/conversa? :)
👩🏻💻 curadoria e textos por hele carmona, jornalista & estudante de design (a assinatura de sempre não coube no e-mail!)
Excelente formato, Helena! Texto leve, leitura fluida assunto inspirador. A entrevistada escolhida também foi ótima na história e nas respostas. Parabéns mais uma vez!
adorei esse formato novo e o jeito como vc incorporou a entrevista no texto! realmente bem diferente do que eu vejo normalmente. 10/10