#35 por que nós odiamos rebrandings?
e como lidamos com críticas? | tempo de leitura: 6 minutos
a internet é um espaço povoado por opiniões. emitidas por peer pressure, por revolta, por tédio, algumas opiniões que ninguém pediu. opiniões de especialistas - que frequentemente discordam entre si - e as opiniões mais burras e sem sentido que você vai ler na vida chegam até o seu feed das formas mais inexplicáveis. e, dentre todas as coisas que a internet adora criticar, há uma categoria especialmente presente: os redesigns e os rebrandings. e por que?
disclaimer: redesign e rebranding não são a mesma coisa, apesar de frequentemente andarem juntos. para evitar confusões, escolhi falar de casos em que o redesign de logo acompanha uma atualização de posicionamento da marca. também menciono casos em que a identidade precisa ser atualizada periodicamente, como o Governo Federal e as Olimpíadas.
🤬 Qual foi o último redesign que você odiou?
Foi o logo do Governo Lula? O rebranding “moderno” da Nokia? O desastroso We <3 NY, que a qualquer momento vai ser tipificado como crime? Eu poderia até dar exemplos piores: sabemos de marcas que até voltaram atrás em seus reposicionamentos, tamanha a rejeição do público.
Qualquer trabalho - ainda mais feito para uma grande empresa - está sujeito à críticas. Inclusive, em algum momento eles foram aprovados por alguém e, estando de fora do processo, nós não sabemos quanto tempo e nem quantas refações isso levou, e é meio ingênuo achar que somos a primeira pessoa a ter uma opinião sobre aquela peça. Ao mesmo tempo, eu propositalmente trouxe redesigns dos quais eu vi análises que entendo como produtivas, além de tweets indignados:
O Marcelo Kimura fez um vídeo analisando o logo do Governo Lula assim que vazou pela primeira vez, fazendo suposições interessantes sobre a construção e pontuando o que mais causava estranheza
O Draco publicou um fio no twitter relacionando o reposicionamento da Nokia com a evolução da tipografia - uma reflexão qualificada e que vai muito além do gostar e não gostar
O Rodrigo Saiani escreveu uma edição da Entrelinha falando da nova proposta para a campanha “I <3 NY”, incluindo os pontos que mais incomodam no redesign, a história do logo original e até algumas alternativas (só como exercício criativo, claro - e compartilhou seu processo de criação)
Mas esse tipo de consideração - em tom mais propositivo e investigador do que bravo e zoeiro - é a exceção. O normal mesmo é ver enxurradas de críticas de quem não é designer, nem estudante de design, nem comunicólogo, nem profissional criativo, nada disso: todos querem exercer o direito de expor sua opinião, ter seu momento de juiz no tribunal da internet. Então, esteja preparado: se você um dia participar de um redesign de marca ou de um rebranding, saiba que o público vai odiar.
❓Por que as pessoas odeiam rebrandings?
Ryan Donahue foi um dos principais nomes do rebranding da ZenDesk, em 2016. Assim que o resultado de meses de trabalho foi anunciado, ele publicou o breve artigo “Why People Will Hate Your Rebranding”. Não tem “e se…” aqui - elas vão odiar. E por que? Ele escreve:
Rebranding é normalmente uma tarefa desagradável e ingrata.
Vai custar muito dinheiro, é incrivelmente demorado e vai afastar sua equipe criativa de objetivos muito mais lucrativos por muito, muito tempo. Como recompensa por esse empreendimento caro e de merda, você provavelmente receberá reações de indignação e zoeira quando anunciar as mudanças. Ironicamente, você deve se considerar afortunado se alguém se importa com a sua marca. Se as pessoas se importam o suficiente com você para ficarem emocionadas com a cor ligeiramente nova do seu logotipo, eu diria que você está fazendo algo certo.
Ler o relato completo me levou a dois pensamentos iniciais:
Se é caro, desagradável e inevitavelmente vai sofrer rejeição, por que as empresas se arriscam?
Se vai haver rejeição de qualquer forma, qual a diferença entre fazer um bom e um mau trabalho?
Para a primeira pergunta, Ryan oferece o seu palpite: “Empresas bem-sucedidas inevitavelmente terão que se reformular em algum ponto, porque a mudança está interconectada com o sucesso.” Não basta começar sendo ousado e disruptivo, é preciso continuar sendo, especialmente enquanto a concorrência só cresce.
Para a segunda, eu tenho o meu: bons redesigns que são inovadores podem gerar muito buzz e comentários maldosos no início, mas serão absolvidos pelo tempo. Dois bons exemplos são o projeto do Met Museum e a identidade visual das Olimpíadas de 2012, ambos pela agência Wolff Olins. Alguma rejeição inicial era esperada e isso foi calculado em ambos os casos - mesmo assim, os designers responsáveis assumiram o risco e colocaram no mundo projetos que hoje são reconhecidos pela inovação e que provaram, pela aplicação, que foram adequados.
👩🏻⚖️ Quem somos nós pra julgar?
Como acontece com todos os novos grandes lançamentos de rebranding, designers e especialistas autonomeados correm para fazer o comentário mais engraçado em sites de notícias sobre marcas ou o take mais engraçadinho do Twitter. Não me interpretem mal; Eu sou a favor de críticas bem-humoradas. Mas é um problema quando a conversa não avança além de frases baratas.
Como designers, ao que parece, adoramos distribuir opiniões sobre rebrands com aparente facilidade, mas sem consideração real. É por isso que sempre me afastei de qualquer ‘chuva de críticas’ inicial, injustificada e opinativa de uma nova marca.
- Ben Greengrass para o portal It's Nice That
Profissionais do ramo criativo podem estar dos dois lados: na equipe responsável por um reposicionamento ou no time dos críticos de twitter. Também somos “o público”, certo? E apesar de a maioria das pessoas não ter nenhum tipo de qualificação formal pra sair dando palpite, esse é o mundo real: elas são espectadores, consumidores, clientes. Isso dá a elas, sim, algum poder de julgamento - e nada impede qualquer colega de área de se juntar a elas.
Talvez isso tudo também nos diga muito sobre como nós recebemos críticas. É que do alto das metodologias mais sofisticadas sobre posicionamento de marca ainda dá pra ouvir um tweet que diz “kkkkk minha sobrinha de 6 anos faria melhor”.
Será que nos acostumamos a diminuir a opinião popular porque nos sentimos superiores? Será que “esse pessoal criativo” é arrogante? Será que essas pessoas na internet estão certas em seus julgamentos - será que elas seriam tão rápidas e confiantes pra corrigir médicos, engenheiros e economistas, ou acham que trabalho criativo é uma área em que qualquer um pode ter sucesso? É um debate complexo que um texto que cabe na sua caixa de e-mail não pode dar conta. Fica um convite para a reflexão: como equilibrar a confiança no próprio trabalho com a humildade necessária para seguir melhorando como profissional?
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obrigada por ler até aqui :) esse é um assunto espinhoso, no mínimo. como sempre, fique a vontade para responder esse e-mail se quiser conversar, compartilhar algo ou até mesmo criticar algum ponto da newsletter. espero que esse possa sempre ser um espaço de troca. até a próxima terça!