#32 julgando livros pela capa
a história das capas de livro, um clássico da penguin books e a importância de julgar pela capa | tempo de leitura: 7 minutos
designers amam capas de livros, isso é apenas um fato (que não vou me dar ao trabalho de provar). meu chute é que muitos passam mais tempo em livrarias olhando as capas e os acabamentos dos livros do que efetivamente lendo. e sabe, não tem problema: a capa de livro é mais que uma peça gráfica, ela é um formato, com uma linguagem própria, e merece toda essa atenção mesmo. por isso, nessa edição eu proponho alguns pensamentos mais amplos sobre esse formato. vamos?
📚 Capas de livro: um breve resumo histórico
Você já viu uma edição de um livro e pensou “nossa, essa capa é uma obra de arte”? Se sim, você devia checar algumas capas do século XV. Nessa época, livros não eram apenas artefatos raros e caríssimos (já que eram manuscritos), mas suas capas eram verdadeiras joias, ostentando pedras preciosas, marfim, couro e até fios de ouro e prata.
Isso começou a mudar com a invenção da prensa móvel por Johannes Gutenberg: o número de livros manuscritos (que no caso, eram todos os livros) na Europa estava na casa dos milhares; em 1500, apenas 50 anos após a invenção de Gutenberg, já eram 9 milhões. Já não dava pra todas as capas serem de ouro. Então, ela deixa de ser um tesouro pra ter função protetora: surgem as encadernações à mão, que unem placas de madeira revestidas com couro ao conjunto de páginas dobradas. Os livros costumavam ser fechados com fechos de metal ou couro até o final do século XV, que são substituídos por cordões e, finalmente, somem.
É no século XVI que nos aproximamos do livro como o conhecemos: sem fecho, com capa dura, menor e mais fácil de carregar. Inclusive, é nessa época que também surge a página de título. Aliás, como as pessoas sabiam qual era o livro se não tinha o título na capa? Bom, tinha a tal página de título (algo como a folha de rosto de hoje em dia) e os livros eram, na verdade, vendidos sem capa. Quem comprava é que devia mandar encadernar seu exemplar para proteção e conservação, e ainda podia escolher o estilo que queria (só o orçamento era o limite).
Fast foward pro século XIX, duas mudanças muito importantes aconteceram: os livros já não são majoritariamente trabalhos religiosos e a evolução tecnológica faz com que os livros já saiam das fábricas com capas (de tecido, não mais de couro). Em 1840, finalmente, nasce a capa do livro como conhecemos hoje. Ilustrações sobre tecido para destacar o conteúdo do livro se popularizam, e o título começa a constar nas capas, sozinho ou no meio dos ornamentos. Apenas algumas décadas depois, por volta de 1860, a cromolitografia é inventada, permitindo a produção de ilustrações coloridas nas capas. A capa deixa de ser apenas protetora, e agora pode apresentar o livro antes mesmo que ele seja aberto.
Depois disso, honestamente, o resto é história. As tecnologias de impressão e os materiais continuam a evoluir e baratear a produção, e muitas outra inovações surgem do século XIX até hoje. Mas se estamos falando da capa de livro como formato/linguagem visual, é justo parar por aqui: a capa de livro no meio dos anos 1800 já traz o título da publicação, nome do autor e alguns ornamentos, como estamos acostumados. Se você se interessa em aprofundar esse assunto, recomendo a leitura dos quatro artigos da série History of Book Covers (em inglês), de Tiphaine Guillermou para o blog Graphéine, minha principal fonte pra essa seção mais histórica ;)
📙 A famosa capa laranja da Penguin
Allan Lane, criador da Penguin Books, queria publicar textos clássicos em edições acessíveis para todas as classes. Na época, livros de bolso (também chamados de softcover ou paperback) eram associados a uma literatura mais popular, a chamada pulp fiction, e Lane queria que os livros de sua editora se destacassem entre eles. Foi então que Edward Young, um jovem designer, criou um look que se tornaria icônico no design editorial.
Young projetou uma capa dividida em três partes: em cima, na primeira faixa colorida, “Penguin Books” escrito em Bodoni Ultra Bold dentro de uma moldura ondulada; no meio, o título e o nome do autor na fonte Gill Sans sobre uma faixa branca; e na parte debaixo, também colorida, o carismático mascote da editora. As edições seguiam um código de cores: laranja para ficção, verde para crime, azul escuro para biografias, etc - mas as edições laranjas foram as mais populares, e hoje a cor é quase indissociável da editora.
Uma parte menos contada dessa história é que Young deve muito ao design de capas de uma outra editora, a alemã Albatross, cujo designer de capas era Hans Mardersteig. Pra quem não sabe, albatroz é um pássaro, e os livros da editora tinham um formato pequeno (a Penguin adotou o mesmo) e baseado na proporção áurea, usavam a fonte Gill Sans na capa, possuíam jaqueta (aquela capa que solta, protetora) e tinham cores diferentes pra distinguir diferentes séries de livros. A Penguin reproduziu todas essas características na capa que viria a ser considerada tão icônica décadas depois, apesar de uma diferença aqui ou ali.
Mas o fato é que, pra Penguin, as capas funcionaram: os livrinhos laranja e minimalistas quase pulavam na cara dos compradores entre as capas ilustradas de pulp fiction. Depois disso, as capas da editora mudaram várias vezes - afinal, já fazem uns 80 anos - mas um clássico é um clássico, e esse vive voltando para as prateleiras. Além disso, os livros da Penguin aparecem no livro Iconic Designs, que comenta, além da capa clássica, as escolhas tipográficas do interior dos livros e seu impacto no mercado editorial.
⚖️ Julgar ou não julgar, eis a questão
Literalmente todos os textos que li enquanto escrevia essa edição faziam algumas piadinha sobre julgar livros pela capa. Eu também fiz isso, ok, sou culpada desse crime. Mas eu comecei essa edição depois de ler o artigo Aprendendo a julgar pela capa, de Leonardo de Vasconcelos Santana. Ele diz o seguinte:
“Se eu perguntasse se é correto julgar um livro pela capa, qual seria sua resposta? Que não, certo? E se eu disser que, às vezes, podemos sim fazer isso? A capa, afinal, oferece informações importantíssimas: o título, o nome do autor e da editora. Com isso podemos chegar a conclusões sobre, por exemplo, a circulação de publicações de editoras do Norte global no país, a proporção de autores de cor que publicam no mercado editorial e as questões de classe de quem produz e consome os livros que encontramos em peso dentro de livrarias.”
Foi a partir dessa reflexão que ele iniciou o projeto Judging by the Cover, uma pesquisa para destacar a disparidade racial nos livros sobre design publicados por algumas das principais editoras internacionais da área. Os resultados do levantamento se materializam em um website focado na visualização dos dados. É só escolher uma das editoras e clicar pra saber quantos dos autores publicados são brancos, negros ou de outras etnias (no artigo para a Recorte, o Leonardo explica como chegou nesse formato). Vale a pena conhecer o projeto :)
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adorei essa! tinha esquecido de comentar, mas voltei pra ler outra vez
Amei saber um pouco mais sobre capas, especialmente da Penguin, justo agora que estou fazendo uma logo fake (não sei se tem nome melhor) parodiando a deles para usar nas minhas capas de estudo!