#16 e o twitter, hein?
ou: design, interface & desinformação online. tempo de leitura: 6 minutos.
eu juro que antes de todo o buzz com o elon musk no comando do twitter eu queria escrever uma edição sobre desinformação nas redes sociais, e sobre como o meio corrobora ou combate a mensagem enganosa. e eu planejava usar o twitter como um exemplo de uma plataforma com boas práticas. daí fiquei pensando se, com os acontecimentos recentes, eu não devia só jogar fora o que vinha escrevendo, mas percebi que talvez esse seja exatamente o melhor momento pra trazer uma edição sobre a relação entre interface e desinformação online. então vamos? :)
🔥 para ficar de olho
Rótulos do Twitter, sinalização visual e desinformação
O Marco Civil da Internet (no caso, a Lei 12.965/2014) institui que as redes sociais não são responsáveis pelos conteúdos publicados por seus usuários. Mesmo assim, sabemos o quanto é importante que o meio seja um aliado da mensagem.
É meio difícil levantar dados sobre como as redes sociais lidam com desinformação. Normalmente, as diretrizes de cada plataforma só regulam conteúdo com base em leis, o que faz com elas tentem remover ou sinalizar conteúdos que contenham racismo, discurso de ódio e outras coisas ilegais. Mas desinformação não necessariamente infringe nenhuma lei, é uma área cinza, então existe pouca estatística. O segundo motivo é que conteúdo que é removido muitas vezes não fica registrado em nenhum banco, e aí é difícil averiguar o volume de ações tomadas contra conteúdos “indesejados” uma vez que eles foram removidos. A maioria das informações que eu consegui encontrar vem do estudo Monitoring misinformation related interventions by Facebook, Twitter and YouTube: methods and illustration.
Em termos de sinalizações visuais, eu acho que o Twitter tem um sistema bem legal - e, se antes não dava pra notar o quão importante ele era, agora vai dar. Eles chamam as sinalizações de “rótulos”, e é a própria plataforma que aplica a maioria deles; Vou pegar algumas imagens e trechos da página de suporte Sobre rótulos do perfil no Twitter.
O selo azul de verificação no Twitter informa às pessoas que uma conta de interesse público é autêntica.
Isso todo mundo já sabe, né? Mas talvez pouca gente pensasse sobre como eles eram úteis pra informar sobre a confiabilidade de uma conta, até o Elon Musk anunciar que, sob sua direção, qualquer um que pague $8 por mês pode ganhar o selo. Na sexta-feira anterior ao envio dessa edição, um tweet feito por uma conta com verificação “comprada” fez as ações de uma empresa farmacêutica despencarem:
Se todas as contas na plataforma são notáveis, então nenhuma é.
Mas enfim, voltando pros rótulos que são legais de analisar:
Os selos nos perfis afiliados ao Estado contextualizam melhor quais contas são controladas por determinados representantes oficiais de governos, entidades de mídia afiliada ao Estado e pessoas físicas estreitamente ligadas a tais entidades.
Os rótulos de eleições contêm informações adicionais sobre as contas do Twitter de candidatos políticos específicos para algumas eleições. O rótulo aparece no perfil da conta do Twitter do candidato e nos Tweets enviados e Retweetados pela conta do candidato.
Os rótulos de contas automatizadas fornecem transparência, ajudando você a identificar se uma conta é um bot ou não.
Além desses, o Twitter também criou rótulos para tweets com informações controversas, enganosas ou disputadas - apesar de que pouquíssimos tweets chegam a receber esse tipo de sinalização, mesmo os que compartilham informações já contestadas por agências de checagem. E, por fim, tem o Birdwatch ou Community Notes, uma ferramenta que permite que os próprios usuários adicionem comentários/contexto a um tweet contendo algum tipo de desinformação (terceirizando o trabalho deles, mas ok. Já é alguma coisa). O próprio Musk foi pego no pulo esses dias - quanto tempo até a ferramenta acabar? hahaha
De qualquer forma, uma das coisas mais importantes nesse sistema de rótulos é que eles ficam visíveis na timeline, e não apenas nos perfis. O usuário não precisa clicar em nada nem sair da página pra ser impactado por eles. É por isso que dentro da minha pesquisa sobre as ações das redes em relação a essa moderação de conteúdo, o Twitter aparecia como um exemplo de boas práticas.
O ponto aqui não é dizer que a rede era perfeita antes e agora vai virar um caos; muita informação falsa e duvidosa já circulava. Mas existia um sistema em desenvolvimento pra intervir, e bem mais extenso do que em outras redes (cof cof, estou olhando pra você, Facebook).
Mas o fato é que decisões do Elon Musk já estão sendo responsáveis por uma enorme crise de confiabilidade na plataforma. Não tem outro jeito de descrever: mesmo mexer em um simbolozinho pode afetar demais a saúde de um ambiente digital. Será que Musk, um controverso apoiador da “liberdade de expressão”, vai alterar o funcionamento de outros rótulos e ferramentas? Será que vai impedir ou desacelerar a melhora desse sistema?
Agora, toda a atenção está voltada para as mudanças no Twitter. Mas talvez seja o momento de olhar também pra outras plataformas e buscar saber mais sobre seus sistemas nativos de combate à desinformação. Já passou da hora de pensar sobre como meio e mensagem se relacionam, e como designers responsáveis por interfaces - principalmente de redes de relacionamento e de compartilhamento de informações - são também responsáveis por prever e tentar amenizar o espalhamento de desinformação.
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💭 para refletir
O papel do design nas redes de desinformação
Pesquisando para essa edição, eu fiquei um pouco surpresa de não ver mais gente falando sobre isso. Mas eu encontrei um papo super legal no episódio O papel do design nas redes de desinformação, do podcast Extra:
O episódio traz os participantes Ivan Lucchini (Design Director na Fjord Brasil - part of Accenture Song), Felipe Mammoli (Doutorando em Políticas Científicas e Tecnológicas pela UNICAMP) e Debora Machado (Doutoranda em Ciências Humanas e Sociais pela UFABC). Eles comentam, além dos dispositivos de combate à desinformação, a posição do design na nossa relação com as redes nessa era hiperconectada em que vivemos. Vale escutar :)
obrigada por ler até aqui! semana movimentada online, né? fique a vontade para responder esse e-mail se quiser conversar, compartilhar algo ou até mesmo criticar algum ponto da newsletter. espero que esse possa sempre ser um espaço de troca. e se você curtiu a edição, por favor, compartilhe! eu adoraria que esse conteúdo chegasse em mais pessoas.
até a próxima terça!
- hele
👩🏻💻 curadoria e textos por hele carmona, jornalista & estudante de design
💡 tem algo incrível que você gostaria de compartilhar comigo e com outros leitores da makers gonna make? pode me mandar por aqui!
Oi, Hele! Nossa, eu adorei seu estudo, nunca tinha lido nada do gênero. É incrível como há ferramentas nas redes que nem nos damos conta da importância. Em algum momento o selo de verificação virou um "brinco" nas contas de influenciadores, então, em certa medida, foi até útil a burrada do Musk escancarar o original e importante motivo de os selos existirem.
Espero que as redes, com essa situação, se organizem melhor (confio no pessoal de comunidades como github, mastodon e linux, que fazem tudo na raça — e as grandes empresas copiam anos depois), e que a gente preste mais atenção em quem segue, no que consome, e no que expõe por aí. Tem sido um dilema grande meu.
Agora, quero te parabenizar tanto pelo design de tudo (vi seu site e apoia.se), mas especialmente pelos banners prontos pra baixar e compartilhar. Achei chic à beça! Amando essa newsletter e seu trabalho dedicado nos mínimos detalhes.