#103 por que o debate sobre IA está empacado
e como abrir espaço para novas vozes | tempo de leitura: 7 minutos
oie! seja bem-vinde a mais uma edição da makers :) eu sou hele carmona, jornalista, designer e artista multimídia. nos últimos anos, publiquei alguns textos sobre IA: falei sobre a responsabilização das empresas envolvidas e das perdas para o trabalho criativo na Revista Recorte, além de sempre comentar sobre o tema aqui e ali. mas recentemente tenho visto os mesmos argumentos sendo repetidos exaustivamente, como se o debate estivesse desacelerando, quase parando. foi assim que surgiu essa edição. vamos?
“Usar ou não usar” IA não é a questão
Eu adoto uma posição crítica relacionada às Inteligências Artificiais Generativas, ou IAgen, e admito que isso é algo difícil de bancar na prática: já fui orientada expressamente por chefes e clientes a “testar” a “ajuda” das ferramentas e, sob a pressão dos prazos e a encheção de saco pra criar algo “inovador”, cedi algumas vezes. Nunca consegui um resultado satisfatório, nem pra mim e nem pra eles — porque a verdade é que clientes acham que o ChatGPT é muito mais capaz do que é. Só que mais importante do que a qualidade final dessa entrega é que, cada vez que cedo a essa pressão, participo de um modelo de produção “criativa” que transfere poder e recursos para empresas privadas, reforçando desigualdades e precarizando o trabalho.
Não é uma questão de culpa-artística-eu-sou-uma-impostora-se-fizer-isso, mas de coerência com o que venho estudando há alguns anos: a necessidade de ampliar e diversificar o debate sobre as IAgens para chegar em proposições realistas sobre a incorporação e regulamentação dessas ferramentas.
Quando leio textos publicados em redes sociais, do Instagram ao Substack, eles parecem girar em torno de dois argumentos principais — um a favor e outro contra o uso — e essa homogeneidade enfraquece o debate.
Argumentativamente falando, o principal ponto a favor é mais bem desenvolvido. Fabio Haag, tipógrafo bastante reconhecido, publicou um vídeo longuíssimo sobre como IAgens são uma ferramenta incompreendida no nosso tempo, tal qual o urinol de Duchamp. Independente do quão torto esse argumento seja, ele falou a palavra mágica que muitos querem ouvir: “democratização”. As pessoas querem ouvir que a barreira de entrada da criatividade está abaixando. O que é mais democrático do que pegar um lápis e desenhar, algo que até crianças que ainda não falam vêm fazendo desde sempre? Abrir um computador, gastar luz e internet e digitar um prompt numa plataforma privada e patenteada, aparentemente (de preferência em inglês ✨). Também me aventurei no tenebroso curso de IAgen para designers do Marcelo Kimura e do Ruan Braz, o Nexus. Ainda não consegui chegar ao fim, porque é meio torturante, mas eles falam demais sobre essa tal democratização. Claro, sem nunca mencionar que todas as “infinitas” possibilidades existem apenas dentro de fronteiras definidas por grandes empresas de tecnologia — que podem mudar ou desaparecer a qualquer momento, de acordo com interesses comerciais.
Já o principal argumento contra que eu vejo pode ser facilmente convertido em um argumento a favor, já que se baseia no fato de que o uso das IAgens isoladamente não sustenta um projeto ou profissional criativo, e que o fator humano sempre vai ser indispensável: seja para operar a IAgen, pra separar o joio do trigo nos resultados ou para ter alguma ideia brilhante ali no meio. Não está errado reconhecer isso, mas também não dá pra parar a discussão por aí. Com esse foco limitado, o discurso acaba caindo no limbo instrumentalista do “é só uma ferramenta e o que importa é como você usa, assim como o Photoshop, o computador pessoal e…”, ai, chega, por favor. Enquanto o fator humano é essencial ao ato criativo, esse discurso é um caminho fácil que protege emocionalmente a sociedade de encarar problemas muito mais objetivos e graves: precarização do trabalho, reforço de ideais imperialistas, racismo, roubo de propriedade intelectual e até pura e simples preguiça — esse último parece muito menos importante, mas nesse estágio do capitalismo, as pessoas vão longe pra provar que estão sim, se esforçando muito.
Pensar coletivamente é um caminho possível
O que percebi nos últimos meses é que a moralização e culpabilização individual do uso de IA não vai muito longe. Um dia alguém falou que não há consumo ético sob o capitalismo e aparentemente nós decidimos que isso queria dizer foda-se a ética como um todo, faça o que for preciso pra sobreviver e manter seu emprego. Não culpo ninguém por pensar assim, mesmo porque não existe uma solução individual. Se as mazelas intensificadas e perpetuadas pelo uso de ferramentas de IAgen são coletivas, a resistência a elas também deve ser.
Pensando em ampliar a circulação de pontos de vista mais diversos, em junho deste ano realizei uma chamada aberta para textos sobre a relação entre Design e IA. Recebi dezenas de textos e fiquei incumbida da desafiadora tarefa de escolher apenas seis para compor a primeira publicação coletiva da hele press.
O resultado dessa chamada é Armadilhas: Reflexões sobre Design & Automação, uma publicação que reúne textos de sete autoras que pesquisam e trabalham com design ou criatividade, cada uma a partir de perspectivas próprias. O livro é um convite para ler mais vozes e aprofundar o debate, e reúne:
O valete, de Marte Sposito
Receita da Conceição para criar monstros, de Ana Gretel Echazú Böschemeier e Raquel Assunção Oliveira
Riscar um fósforo no espaço, de Gabriela Perigo
Por que falar de Corita hoje?, de Camila Lustosa
A Morte Algorítmica dos Imaginários Negros: IA, Design e Necropolítica, de Monique Lemos
Burrice Artificial, de Paula Cruz
A tiragem prevista é de 200 exemplares, sem previsão de reimpressão ou versão digital. A campanha está no Catarse, no modelo “tudo ou nada”, ou seja, se o valor não for batido, infelizmente o projeto não vai rolar, então peço que além de apoiar a publicação vocês também compartilhem muito o projeto, hehe.
Pré-venda e recompensas
Assim como no lançamento do meu primeiro livro, o Glifo por Glifo, a campanha no Catarse vai funcionar como uma pré-venda, já que a recompensa principal é o próprio livro. Como essa é uma publicação que fala muito sobre processos, quis incorporar manualidade no projeto gráfico e o resultado disso é que uma das recompensas é uma linogravura artesanal, numerada e assinada. Sendo assim, as faixas de apoio são:
Apoio simbólico – R$20: Para quem quer contribuir com o projeto sem receber recompensas físicas.
1 Livro – R$80: Um exemplar do livro com frete incluso pra todo o Brasil.
1 Livro + 1 Linogravura numerada e assinada – R$130: Um exemplar do livro acompanhado de uma linogravura exclusiva, numerada e assinada, feita especialmente para esta campanha (tiragem limitada). Frete incluso pra todo o Brasil.
2 Livros – R$150: Para presentear outro criativo :) Dois exemplares enviados juntos com frete incluso.
2 Livros + 2 Linogravuras – R$240: Pacote para colecionadores e apoiadores mais entusiasmados, com dois livros e duas linogravuras exclusivas. Frete incluso pra todo o Brasil.
Produzir um livro independente envolve diversos custos além da impressão. A meta final de R$ 8.970 orçamento considera a produção de 200 livros, custos com logística, remuneração simbólica da equipe envolvida, taxas da plataforma e ainda uma pequena reserva para imprevistos. Qualquer pessoa pode conferir mais detalhes sobre o orçamento na página do Catarse.
Ah, e antes que eu esqueça! Assinantes pagos da newsletter tem 30% de desconto nos títulos da hele press. Se você é um apoiador da newsletter e está interessado no livro, é só responder esse e-mail ou me mandar uma DM no instagram pra usar seu desconto. Ainda não é um apoiador? Confira mais infos aqui :)
como sempre, obrigada por ler até aqui. essa é minha primeira experiência organizando uma publicação, e é extremamente refreshing me cercar de textos que não são meus, que saíram diretamente de outras cabeças e vivências diferentes. se você ficou interessado em adquirir um exemplar de Armadilha, você pode fazer isso agora mesmo na página de pré-venda. e se você conhece alguém que pode curtir esse texto, que tal compartilhar essa edição? :)
Confira outros textos da makers sobre Design & IA:
e também o ensaio Redescobrir a mão humana, publicado na Revista Recorte em dez/2024.
Você tem uma publicação que gostaria de tirar do papel através de um financiamento coletivo? No hele studio eu ofereço serviços de produção gráfica e consultoria sobre financiamento e organização de projetos editoriais. É só me chamar em contato@helecarmona.com pra conversar :)




![#4 [especial] inteligência artificial e o impacto no design](https://substackcdn.com/image/fetch/$s_!1ree!,w_140,h_140,c_fill,f_auto,q_auto:good,fl_progressive:steep,g_auto/https%3A%2F%2Fsubstack-post-media.s3.amazonaws.com%2Fpublic%2Fimages%2F54353a65-1321-436a-bf5d-ed773a213e08_1400x1000.png)



Gostei muito do seu texto! Triste saber que essa pressão pra usar IAgen tbm está na sua área de atuação. Sou dev e na empresa que eu trabalho existe um incentivo pra usar IA pra gerar documentações. Mas fica muito ruim... e pior ainda que meus colegas que são PJ usam PRA TUDO, e depois reclamam que vão perder o emprego pra IA 🤡. Me incomoda demais essa postura "não há nada que eu possa fazer". Escrevi sobre isso na minha edição 27, que falo muito sobre os aspectos ambientais tbm, caso vc se interesse pelo assunto :)
E enquanto não houver uma urgência em ampliar o debate para âmbitos escolares, profissionais etc continuaremos lendo os mesmos argumentos que não transformam nem um pouco quem já sentiu essa necessidade de se reiventar com o mercado! É difícil partir de um princípio e encontrar outros que conversam, mas não totalmente, com ele pelo extremo que todas as pessoas parecem precisar seguir. 🌟